É difícil criticar um plano quando aplicado a uma economia em que não acreditamos. Esta economia de mercado, de capitalismo em geral e europeu em particular.
Na prática é falar de um passo em falso dentro do próprio erro.
Tenho uma visão mais nacionalista da economia, desculpem-me os que fazem culto da globalização. Sendo Portugal um país pequeno e dependente, preocupa-me mais assegurar as questões de sobrevivência da nação e do seu povo do que as grandes convergências internacionais.
Dir-me-ão que dependemos da integração nestas políticas globais.
Não concordo.
Num oceano de tubarões, a sardinha lixa-se sempre.
Os critérios de base para aderir a qualquer “clube” passam por manter os dedos e os anéis, isto é, não ser dependente a nível alimentar, energético e manter os direitos exclusivos no que diz respeito ao solo, subsolo e recursos hídricos, áreas não privatizáveis e que em nenhuma circunstância devem ser objecto de negócio. Sendo o território património do povo (os legítimos representantes da nação), a condição essencial de pertença começa por aí.
Cabe referir que estes segmentos não são do Estado, são do povo que concede a administração patrimonial do país a um conjunto de pessoas por via eleitoral e apenas isso. A Soberania é implícita ao povo, dele emana e a ele cabe determinar as lógicas de administração, não perdendo de vista a reserva matricial da soberania.
Claro que os infindáveis anos de trabalho de marketing dos poderes para convencer o povo de que não tem responsabilidades sobre a gestão do país, que os assuntos da política são muito chatos e mais vale confiar nos eleitos, que a participação democrática é apenas votar, que a função publica é incompetente e mais vale entregar tudo a quem saiba gerir resultaram neste desligamento entre a pátria, e a administração, transformando em negócio o que deveria ser orgulho, estima e partilha.
Não se trata de sermos “orgulhosamente sós”, mas sim “orgulhosamente nós” com o que temos e podemos, mesmo que com sacrifício de algum conforto, nível de vida material e expectativas de grandeza.
Esclarecido este capítulo e tentando pensar no PEC em contexto de que “este é o caminho”, acho que o Plano peca por defeito de especialização.
Congelar os salários da Função Pública toda é insensato: o congelamento deveria afectar todos os que tivessem vencimentos superiores a 3000 Euros e aquelas infindáveis ajudas não contabilizadas (casa, carro, subsidio disto e daquilo). Todo o patamar inferior deveria ter aumentos regulares ao ritmo da inflação. Quem pensa que isto é uma medida à esquerda desengane-se: como as deduções fiscais afectarão principalmente quem ganha menos de 1200 Euros, o Estado voltaria a “pescar” este aumento mais à frente e os que viram o seu rendimento congelado saberiam que não perdem tanto por via das deduções fiscais.
A tributação das mais-valias será um convite ao desinvestimento. Quem tem dinheiro põe-no noutro lado. Pelo amor de Deus, estamos a falar de uma economia global. Quem tem para investir quer lá saber do país se tiver de deduzir aos seus proveitos. Melhor seria obrigar a afectação de mais-valias ao reinvestimento.
Do ponto de vista das políticas sociais, estamos a armadilhar uma bomba relógio.
Continuar a exigir que os 1/3 da população faça a redenção dos disparates, abusos e incúria do outro terço, acrescidos de penalizações parece, no mínimo, ultrajante.
Acreditar que há alguma moralização por via do novo escalão para rendimentos acima de 150mil euros é uma anedota. É sabido por todos que quem mais ganha, mais hipóteses tem de contornar a sua aplicação. Enfim, poeira para os olhos.
A inflação no período do PEC subirá entre 1,5% a 3,5% e os salários (que já perdiam poder de compra desde sei lá quando!) não acompanharão e o diferencial entre ambos ficando para além do razoável.
O argumento de que as empresas (as públicas e as “golden-share”), não podem contratar quando todas tiveram lucros interessantes é humilhante.
As grandes empresas poderão absorver alguma mão-de-obra desde que a lei laboral mude ainda mais. As de menor dimensão caminharão para a falência com o soberano beneplácito dos poderes públicos.
Quanto aos bancos que sobreviveram graças aos “subsídios” dados pelos que agora vivem em dificuldades ou desemprego continuaram a reinar.
Num pais de tão fraca produtividade a crer nas estatísticas, parece quase milagre os lucros de determinadas empresas. Deve ser da qualidade da gestão…
A obrigatoriedade do emprego, a diminuição de carga fiscal aos contratadores e contratados deveria ser uma regra, bem como a flexibilização dos despedimentos/contratação (aumentando a competitividade interna, a produtividade e a redução de custos). Mas vamos no caminho oposto.
A juntar a isso e com a massificação crescente do desemprego dada a intenção de privatizar uma série de serviços (e qual é a primeira medida imperial quando se privativa um serviço? Ajustamento dos recursos humanos.) e o encolhimento das prestações sociais, o futuro desenha-se terrível.
Mas claro que a planificação corre bem.
A estratégia de continuarmos um país de baixos salários e sem pressão social e sindical fará de nós um paraíso alternativo a Marrocos, Roménia ou Vietname, com as óbvias vantagens logísticas para os oportunistas da praça.
A pressão sobre os desempregados também aumentará por via de regras cada vez mais discricionárias e de redução do rendimento auferido.
Não é difícil fazer as contas da dimensão social desta catástrofe: teremos durante esta década cerca de meio milhão de desempregados, à volta de 2,5 milhões de reformados dos quais 75% terão reformas abaixo da sobrevivência, milhão e meio de jovens sem trabalho ou em trabalho precário (coisa a que chamo a quem está a recibos verdes) e quase um milhão de candidatos ao RSI. Se a alternativa a este problema for a construção de prisões e aumento do número de efectivos policiais, acho que é chegada a hora de sair à rua.
A criminalidade de sobrevivência e a organização criminosa naturalmente crescerão. Numa sociedade tendencialmente desigual e de maior amplitude na distribuição da riqueza é fatal que aconteça.
No meio de tanto tiro no pé, o adiamento do TGV parece até um mal menor.
Erro, de novo.
A pressão do desemprego e da desigualdade faz-se sentir a Norte com especial intensidade.
Uma linha de comboio entre Lisboa e Madrid servirá apenas para asfixiar as companhias de aviação,
Tudo somado e voltando ao princípio, lá estamos nós, alunos exemplares (onde foi mesmo que eu ouvi isto?...) a fazer o que o professor manda e não aquilo que é necessário fazer.
As esperanças vão faltando e a próxima dança das cadeiras (aprazada para Junho deste ano) não vai alterar absolutamente nada.
E por culpa nossa!
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