Depois do resultado do referendo irlandês ao Tratado de Lisboa, assisti curioso às movimentações europeístas neste "duro golpe" ao aprofundamento da "construção europeia".
Houve lamentos, discursos ameaçadores e a invocação de um retorno às trevas. Houve diatribes inflamadas em torno do país dos gnomos, explicações e desculpas. Tudo isso em doses metódicas e ligeiras.
Mas o principal discurso foi: a construção europeia avança e a Irlanda, a seu tempo, resolverá o "seu" problema.Seja por outro referendo ou vencido pelo cansaço. Seja por se virem a confrontar com dificuldades económicas ou políticas a breve prazo.
Ou seja, a União só o é se todos concordarem com a mesma tese. Porque a política parece actualmente uma espécie de televendas, onde nos tentam impingir uma coisa com que não funcionaremos, com que não saberemos funcionar e que, se reflectirmos, não precisamos para nada?
Cuido que poderei pecar por simplista mas, numa família há diferenças, por vezes inconciliáveis. Entre vizinhos há discussões à volta da colocação de um vaso na entrada do prédio; dentro de um mesmo partido há posições e grupos que têm teses diferentes e abordagens distintas ao processo político. O que fazer a quem se nos opõem?
O que fazer aos "detractores" (aqueles que não sabem dialogar connosco e aceitar os nossos argumentos – únicos válidos, sobejamente comprovados e incontornáveis)?
Dou comigo a pensar no regresso à Idade Média, no pior do que este período teve. Uma era de intolerância, desigualdade, tirania. Um tempo onde o direito divino, a aplicação do medo da vingança divina pairava sobre todos os que não cumprissem as emanações da religião (sim, porque só havia uma, a verdadeira!).
E podemos queimar as nossas bruxas também. Os "indesejáveis" estrangeiros, aqueles que só são bons enquanto escravos. Afinal, para que precisamos deles se há tanto europeu ansioso por lavar casas de banho e construir prédios? Que importa o que lhes fizemos a tantos séculos atrás, quando roubávamos, explorávamos e matávamos para construir a grande Europa! Não sei do que se queixam quando nós lhes demos os Direitos Humanos, a Democracia, enfim as palavras que devem orientá-los na demanda de uma sociedade melhor. Evidentemente, foram dadas num saco roto, onde ficaram as palavras e o sentido das mesmas caiu pelo caminho.
Tal como nos séculos de Carlos Magno, voltamos a construir muralhas para nos defender. Passamos quase quinhentos anos nisso. O perigo maior é que não haverá Renascença. Não há mundos para explorar e a desconfiança ao homem branco já fez a sua história e ninguém cai duas vezes no mesmo conto.
E no entanto, não há um europeu que esteja fora do sistema clientelar e gestionário da Comunidade Europeia que confie no Tratado, sejam ricos ou pobres, letrados ou não. Se pensassemos numa consulta europeia de modelo referendário, a percentagem do Não seria mais volumosa do que a verificada na Irlanda e esse bom senso comum da plebe europeia mantém a dúvida sobre os desígnios do mesmíssimo Tratado e da sua impossibilidade de explicação aos mortais.
Também na Idade Média poucos conheciam as leis, a palavra divina e o saber. As Leis que oprimiam os povos eram aplicadas, desconhecessem ou não o seu conteúdo e contexto; a palavra de Deus era disseminada em Latim e o povo iletrado formava as suas ideias pelo audio visual da altura (iconografia, vitrais, etc.) e umas quantas histórias que lhes contavam nas suas línguas maternas. O saber era restrito a uns quantos curiosos e limitados pela ideologia vigente, nada extraordinariamente diferente do que hoje acontece em relação aos laboratórios.
As pessoas levavam as suas vidinhas à espera da colheita e das festividades pagãs autorizadas.
Assim se mantém, assim é que está bem.
E o ridículo de tudo isso é que um Tratado e um aprofundamento da União é necessário. Mas não no sentido e interesse de quem o cria.
Ninguém nega que a Europa necessita de uma definição dos contornos da sua política social, cultural e laboral. Alguns tem dúvidas do interesse de uma política diplomática comum e de segurança ainda mais; o reforço dos mecanismos de decisão dependem em larga medida da credibilidade dos mesmos, e como estes não a possuem...
É a visão de gabinetes e gabinetes pejados de burocratas e secretários e tradutores e conselheiros definindo e harmonizando os interesses comuns que horroriza qualquer cidadão médio da Europa, seja ele grego ou dinamarquês.
E assim vamos, alegremente, voltando as origens: o diferente é sacrílego, o mal, a ignorância e um benefício concedido aos pobres, cada classe no seu lugar e o Rei no topo. Depois as cruzadas contra o Infiel...
Houve lamentos, discursos ameaçadores e a invocação de um retorno às trevas. Houve diatribes inflamadas em torno do país dos gnomos, explicações e desculpas. Tudo isso em doses metódicas e ligeiras.
Mas o principal discurso foi: a construção europeia avança e a Irlanda, a seu tempo, resolverá o "seu" problema.Seja por outro referendo ou vencido pelo cansaço. Seja por se virem a confrontar com dificuldades económicas ou políticas a breve prazo.
Ou seja, a União só o é se todos concordarem com a mesma tese. Porque a política parece actualmente uma espécie de televendas, onde nos tentam impingir uma coisa com que não funcionaremos, com que não saberemos funcionar e que, se reflectirmos, não precisamos para nada?
Cuido que poderei pecar por simplista mas, numa família há diferenças, por vezes inconciliáveis. Entre vizinhos há discussões à volta da colocação de um vaso na entrada do prédio; dentro de um mesmo partido há posições e grupos que têm teses diferentes e abordagens distintas ao processo político. O que fazer a quem se nos opõem?
O que fazer aos "detractores" (aqueles que não sabem dialogar connosco e aceitar os nossos argumentos – únicos válidos, sobejamente comprovados e incontornáveis)?
Dou comigo a pensar no regresso à Idade Média, no pior do que este período teve. Uma era de intolerância, desigualdade, tirania. Um tempo onde o direito divino, a aplicação do medo da vingança divina pairava sobre todos os que não cumprissem as emanações da religião (sim, porque só havia uma, a verdadeira!).
E podemos queimar as nossas bruxas também. Os "indesejáveis" estrangeiros, aqueles que só são bons enquanto escravos. Afinal, para que precisamos deles se há tanto europeu ansioso por lavar casas de banho e construir prédios? Que importa o que lhes fizemos a tantos séculos atrás, quando roubávamos, explorávamos e matávamos para construir a grande Europa! Não sei do que se queixam quando nós lhes demos os Direitos Humanos, a Democracia, enfim as palavras que devem orientá-los na demanda de uma sociedade melhor. Evidentemente, foram dadas num saco roto, onde ficaram as palavras e o sentido das mesmas caiu pelo caminho.
Tal como nos séculos de Carlos Magno, voltamos a construir muralhas para nos defender. Passamos quase quinhentos anos nisso. O perigo maior é que não haverá Renascença. Não há mundos para explorar e a desconfiança ao homem branco já fez a sua história e ninguém cai duas vezes no mesmo conto.
E no entanto, não há um europeu que esteja fora do sistema clientelar e gestionário da Comunidade Europeia que confie no Tratado, sejam ricos ou pobres, letrados ou não. Se pensassemos numa consulta europeia de modelo referendário, a percentagem do Não seria mais volumosa do que a verificada na Irlanda e esse bom senso comum da plebe europeia mantém a dúvida sobre os desígnios do mesmíssimo Tratado e da sua impossibilidade de explicação aos mortais.
Também na Idade Média poucos conheciam as leis, a palavra divina e o saber. As Leis que oprimiam os povos eram aplicadas, desconhecessem ou não o seu conteúdo e contexto; a palavra de Deus era disseminada em Latim e o povo iletrado formava as suas ideias pelo audio visual da altura (iconografia, vitrais, etc.) e umas quantas histórias que lhes contavam nas suas línguas maternas. O saber era restrito a uns quantos curiosos e limitados pela ideologia vigente, nada extraordinariamente diferente do que hoje acontece em relação aos laboratórios.
As pessoas levavam as suas vidinhas à espera da colheita e das festividades pagãs autorizadas.
Assim se mantém, assim é que está bem.
E o ridículo de tudo isso é que um Tratado e um aprofundamento da União é necessário. Mas não no sentido e interesse de quem o cria.
Ninguém nega que a Europa necessita de uma definição dos contornos da sua política social, cultural e laboral. Alguns tem dúvidas do interesse de uma política diplomática comum e de segurança ainda mais; o reforço dos mecanismos de decisão dependem em larga medida da credibilidade dos mesmos, e como estes não a possuem...
É a visão de gabinetes e gabinetes pejados de burocratas e secretários e tradutores e conselheiros definindo e harmonizando os interesses comuns que horroriza qualquer cidadão médio da Europa, seja ele grego ou dinamarquês.
E assim vamos, alegremente, voltando as origens: o diferente é sacrílego, o mal, a ignorância e um benefício concedido aos pobres, cada classe no seu lugar e o Rei no topo. Depois as cruzadas contra o Infiel...
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