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Os novos justiceiros

Nestes últimos anos tem surgido uma nova estirpe de gente no panorama nacional: os super-heróis.

Em tempos idos dos anos 80, o rústico palratório, o truão intimidador e o sobranceiro petulante arrogado em sumidade dominavam o panorama. Era o tempo do estilo cavaquista, gente que tinha resposta para todos os males de Portugal, do mundo e do condomínio em que viviam. Todavia, o tempo do tipo autoritário e retaliante passou.

O estilo ora prevalecente é o comunicador. Gente sensível e educada que nos tenta explicar matérias de uma forma simplificada (tão simplificada que não percebemos nada!), revelando uma singela devoção e uma reiterada preocupação para que o povo entenda que "este é o único caminho / alternativa / política possível porque é aquela que temos de seguir alegremente e de forma agradecida por alguém ter esta preocupação" (a que chamaria maoismo light).

Neste contexto de uma governação à bolina dos ventos da Comunicação Social surgem então os nossos super-heróis.

Gente disposta a agarrar a oportunidade de um país que se revê na televisão e que acha que as imagens e palavras que compõem as notícias são, de facto, a realidade. Este novo e ridículo espécimen de gente ataca em todos os sectores: política, futebol, corporações, etc. E atenção! É gente muito perigosa.

Dou três exemplos que ilustram claramente o que pretendo dizer:

Rui Rio
Não sendo um inovador sabe como ninguém retirar benefícios do momento. Cultivou uma imagem para ser eleito (o anti-futebol, o incorruptível contra a construção civil, o chicote à malandragem camarária instalada) sentou-se neste trono quietinho e deixou o tempo correr. Toda a gente sabe ao que ele vem e provavelmente a Presidente do seu partido pedir-lhe-á para ser o candidato nas próximas eleições (se não pedir, será inexoravelmente empurrada por umas escadas à baixo). Dirá que não, que quer continuar na Câmara, aguardando o momento em que, numa qualquer conferência de imprensa, exortará o superior interesse do país e do partido, numa imolação sacrificial do seu interesse pessoal – ele que só queria gerir a sua camarazinha….

Sendo o PSD uma inutilidade política (porque é um partido que foi inventado para governar, não para ter ideias, princípios ou outras preocupações menores como por exemplo o país), todos irão venerar o menino na manjedoura e fazer juras de eterno amor…até sair o resultado das eleições.

A sua imagem impoluta também se irá desvanecer quando se apurarem as verdadeiras contas da sua gestão, tarefa que se revelará difícil, entre tantos eméritos patrocinadores de festas, arraiais diversos e interesses construtivos (não esquecendo o sinal dado pelo abandono do seu ex-braço direito do primeiro mandato). Mesmo que o assunto venha à baila durante a sua candidatura, será uma forma de vitimizar-se e invocar atitudes persecutórias à sua pessoa.

Rui Rio é pois uma dos mais temíveis super-heróis porque há de facto quem acredite na sua magnânima atitude e ignore a dualidade do seu carácter.


Marinho e Pinto
Figura estranhamente eleita e automaticamente contestada por alguns sectores da classe.

O que o senhor diz tem muito sentido e quem anda no métier sabe que ele diz algumas verdades. Todavia isso não lhe dá o direito de atentar contra os seus. Pelo contrário, deveria desenvolver uma forma de actuar mais assertiva junto da classe e resolver internamente os seus desideratos, sem levá-los necessariamente à praça pública.

O seu espírito anti-ordem não lhe permite angariar aliados, apesar da imensa simpatia popular contra quem vocifera contra uma classe que todos incluem no grupo dos "poderosos". Quando vê uma câmara de televisão dá-lhe uma gana de desatar às bengaladas à Justiça de uma forma generalizada. Resultado: o povo gosta mas não há ninguém neste mundo e no outro que o apoie.

Então porque este feito heróico de caminhar solitário? Acreditará mesmo que de tanto martelar, a ferrugem das classes corporativas irá estalar e as engrenagens passarão a funcionar com umas gotinhas de óleo? Este invulgar heroísmo sugere uma de duas coisas: ou está em preparação uma figura vital para nova reforma judiciária que minará algumas das mordomias das classes de que ele será um provável protagonista ou avizinha-se a minagem das Ordens desde o interior. Se esta mudança ocorrer, tornar-se-á o maior reformista português desde o Marques do Pombal! E o seu lugar na ribalta estará garantido. Se falhar…há sempre um plano B!


Luís Filipe Vieira
O Presidente do Benfica foi a televisão invocar a luta mortal contra a corrupção que no caso pretérito é encarnado por um Dragão o que faz dele imediatamente um S. Jorge!

Este campeão na luta contra a corrupção no futebol, que foi capaz de por o país a rir alarvemente quando referiu que não era sua intenção participar na Champions se o Porto perdesse na secretaria mostrou à saciedade o perigo que representam os guardiões da verdade e da justiça!

Independentemente das razões ou desmandos processuais ninguém poderia considerar verídico o seu papel nesta história. Como deu a entender, parece conhecer tão bem o processo que dir-se-ia que o teve sempre nas mãos; mesmo relativamente a escutas fiquei com a impressão que as ouviu todas. Ou seja: o processo ou é ele ou passou por ele! E isso causa-me um horror maior do que a improvável corrupção, aquele sentimento de que tudo foi manipulado, criado e orquestrado por uma ou muitas entidades.

Este herói de peito feito que bate em jornalistas, a quem é permitido entrar num estúdio de televisão e interromper o programa e nada lhe acontece, que defende a verdade desportiva mas que rejeita a simples noção de que o seu clube não conseguiu um desempenho mínimo na passada época, o de reconhecer tardiamente que de futebol nada percebe e agora ter arranjado alguém que, se tiver sorte será rapidamente apontado como escolha sua, "com quem colaborou de forma estreita"; se não resultar desportivamente será despachado com a frase lapidar do management "o Rui não conseguiu cumprir os objectivos".



Com heróis destes estamos conversados.

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