8. Investimento económico
Não fosse a guerra um negócio para os grandes grupos económicos e visasse algo mais vasto e integro como o desenvolvimento social e económico dos povos invadidos, poder-se-ia pensar se a consolidação das mudanças não teria maior alcance. E o sofrimento permanente dos povos aliviados pela existência de emprego, comércio, serviços e negócios de pequena escala que ocupariam as populações.
A estrutura económica destes países é muito diferenciada. O Iraque, uma economia mais próxima do Irão, com algum brilho e desenvolvimento embora profundamente desigual; o Paquistão enlaçado entre uma economia informal e grandes empreendimentos estatais e o Afeganistão de um estóico atraso, rural e agrária.
Em comum apenas a desigualdade e o descontrolo de inúmeras actividades comerciais.
A coerência da actividade económica depende em larga medida das leis e do controlo do Estado na sua observância. Como estes estados são incoerentes e frágeis, a anarquia das actividades económicas acaba por prevalecer, até porque há problemas mais importantes, como a sobrevivência.
A recuperação das actividades, na ausência de um Estado capaz terá de passar pela organização das sociedades através de Câmaras (dos mercados, dos vendedores de ruas, dos artesãos, etc.) e de sindicatos para os trabalhadores dependentes. Serão estes, numa primeira fase a regular a actividade e licenciamento.
Associando esta necessidade a algumas estratégias, poderão verificar-se mudanças significativas nas práticas económicas:
Pequeno negócio e microcrédito: Esta base fundamental, de negócio familiar, doméstico e de criação assenta a verdadeira recuperação económica. Já há alguma tradição (no Paquistão) destas práticas que deveriam ser estendidas aos outros países como forma de organizar e dar coerência a formação de pequenas empresas capazes de suportar as necessidades familiares, ocupar e desenvolver uma rede tentacular de interdependências cujo efeito sinergético iria compensando e desenvolvendo o tecido social.
São as pessoas e as famílias a base da actividade económica, conceito que parece ter sido esquecido no Ocidente mas que é urgente retomar não apenas na região mas a nível mundial.
Formação de saberes profissionais: a formação profissional (já abordada no capítulo anterior) reveste-se de uma importância fundamental na preparação da sociedade ara as necessidades dos mercados que se vierem a desenvolver.
A recuperação (após anos de devastação de todo o tecido social) depende de saberes técnicos e da sua ocupação no mercado. Até porque a reconstrução dos países não deve ser assumida como uma compra de serviços ao estrangeiro, sob pena da manutenção das dependências e desigualdades que se fazem reflectir no ciclo da contestação e que levam impossibilidade permanente de Democratização e mudança.
Estes países devem procurar a utilização de empresas e mão-de-obra interna ou encontrar empresas internacionais que incorporem o capital humano dos seus países. É uma condição de base para uma recuperação económica centrada no tecido social, evitando o regresso ao nepotismo, a corrupção e a troca de favores.
Programa de compra de produção de heroína: O flagelo da guerra continuada, para além de provocar o decréscimo de mão-de-obra agrícola, reduziu a produção da mesma e especializou ainda mais o agricultor no cultivo mais rentável: a heroína.
Sabe-se que o terrorismo angaria fundos com a actividade de tráfico e com os mercados mobiliários mundiais, territórios de prática comum de branqueamento. Daí que o estrangulamento dos recursos do terrorismo passaria pelo fim de paraísos fiscais e por um combate ao tráfico no seu terreno de produção. Ao que parece será mais fácil de realizar esta última…
A liminar destruição de plantações não me parece o método mais correcto. Comprar a produção que fatalmente entraria no mercado negro a um preço superior ao pago pelos mercadores e acrescentando um bónus com sementes alimentares adequadas ao cultivo da zona, animais de criação e alfaias agrícolas e o comprometimento de aquisição da cultura por um valor base negociado à cabeça, apresenta uma vantagem acrescida a vários níveis.
Se a Comunidade Internacional subir sempre a parada dos traficantes, comprar as colheitas e destruir o produto e introduzir novas culturas alternativas estará a fazer mais pelo combate ao terrorismo do que dispersar-se em funções bélicas.
Este plano obriga ao estabelecimento de linhas de defesa próximas das regiões intervencionadas, condição essencial para a sobrevivência do plano numa primeira fase.
Dignidade económica: As famílias de interesse dominam grandes negócios nestes países. E não se poderá dizer que a economia paquistanesa é frágil. Tem rácios interessantes mas a reprodução social deixa muito a desejar. Há indústrias fortes, uma agricultura em perda e uma gigantesca vida comercial desregulada. No Afeganistão, o crescimento tem sido propiciado pelo volume de apoios Ocidentais no esforço de reconstrução das cidades. Mas as actividades produtivas e agrícolas estão letárgicas e no Iraque o crescimento tem a ver com as cidades e enferma dos mesmos problemas do Afeganistão.
No entanto, há um traço comum a todas: a dependência estrangeira revertida numa divida externa, a posse ou controle de áreas produtivas nas mãos de capital estrangeiro e a desambiguação da mão-de-obra às necessidades produtivas de cada país.
A estratégia dos países Ocidentais de “ocupação” económica não trará bons resultados para a paz nestes países e é bom que os governos europeus e americanos acabem com esta imagem de ajuda desinteressada e luta pela democracia. Nada disso está em causa. A recuperação do tecido social destes países levará décadas e seria bom que as suas gerações futuras não fossem reféns de tudo o que se passa.
Os governos Ocidentais deveriam exigir uma contratualização das empresas que tem interesses nestes países no investimento social (formação profissional, programas de alojamento, ensino, contratação privilegiada de autóctones, etc.) e supervisionar a aplicação dos mesmos, inserido penalizações graves no incumprimento.
Caso contrário estarão a dar argumentação política aos ideólogos do extremismo islâmico, passando a fazer parte do problema e não da solução.
Cooperativismo e Desenvolvimento Rural: O interior rural destes países é uma realidade absolutamente distinta das suas cidades. Como em qualquer país, são os esquecidos da sociedade e as primeiras vítimas, não distinguindo entre agressores e defensores que muitas vezes os vitimam.
Numa estrutura de sobrevivência aproveitam o que a terra dá, a pastorícia e pouco mais. Vivem como a dois séculos atrás e as perspectivas de evolução não são claras.
A introdução de um conceito cooperativo no apoio as suas actividades económicas (vacinação de gado, controle de abate), na comercialização dos produtos e nos seguros sobre a actividade permitiria a pouco e pouco uma maior estabilidade de rendimentos e a introdução de componentes solidárias na sua actividade.
Este associativismo poderia se transformar não apenas num factor de libertação da pobreza mas numa garantia de segurança regional.
Comentários