9.Relação com a religião
Para o fim deixei a religião. O falso intróito de todas estas guerras.
A religião tem sido usada e abusada por ambos os lados para credibilizar uma luta cujo sentido acaba sempre nas mesmas questões: Israel e Petróleo.
Os Talibans não são terroristas na essência. Tornaram-se para executar o extremismo das suas leituras, como o fazem os senhores da guerra em África ou os barões da droga na América Latina. Estão longe de serem um grupo de parolos: a sua elite é formada por gente de formação superior, muitos deles nos países Ocidentais e não se pode dizer que as suas opções não são racionais. Porque então produzem uma abordagem do Islão tão extremamente antagónica do espírito do próprio Corão?
Trata-se, quanto a mim, de uma vingança secular.
A perspectiva de que o Ocidente manipula e destrói a essência da religião, que oprime e explora o seu povo de forma oportunista por via do petróleo, levando a que as nações islâmicas tenham índices de pobreza, analfabetismo e de sobrevivência baixos, o extremismo islâmico mais não faz de que se aproveitar do produto da acção do Ocidente sobre a sociedade. Se a isto juntarmos a protecção dada a Arábia Saudita, talvez o regime mais “sujo” da região no que se refere a todas as áreas dos Direitos Humanos e a posição face a Israel, encontramos a essência do modelo ideológico do extremismo que se serve do Islão.
A religião é o capote que utilizam ambos os lados; um para angariar combatentes e a bandeira, outro, o Ocidente, para legitimar a sua actuação, que mais não visa que o controle da produção, distribuição e preços do crude. Apenas isso.
Muito próximo é mais distante
Por uma razão óbvia, o mundo muçulmano não intervém nestas regiões: a maior implantação Xiita na zona obrigaria a intervenção de um Islão maioritariamente Sunita. E o mundo não estará de todo interessado em criar condições para um cisma religioso agravado, virando a guerra para si próprio. Já basta o Iraque, pronto a explodir quando os ocupantes saírem.
São os líderes religiosos, o mundo islâmico que tem de se reunir e assumir os aspectos inerentes ao seu mundo, na consciência de que o seu desenvolvimento e estabilização do Islão dependem de três condições essenciais: a criação de Estados laicos, sistema de Justiça equidistante da religião e o fim da presença económica e militar estrangeira nas suas fronteiras.
Não porque estes aspectos sejam importantes para que o diálogo com o Ocidente tenha condições de materialização: o fundamental é assegurar a independência, soberania e protecção dos seus diferentes espaços geográficos.
A compreensão de que a religião terá o seu lugar importante e decisivo mas não enquanto sustentáculo de governação é uma condição de raiz para que estes países ganhem condições de estabilização das suas sociedades.
Mesmo as constituições a desenvolver podem inserir e validar preceitos corânicos mas não substituir uma Lei laica e para todos. Um livro sagrado é para a condução das almas não para negociar alianças ou negócios e por mais que o Corão seja uma doutrinação do comportamento social e quotidiano, não pode “ser” a política do Estado.
Evidentemente, as Democracias Ocidentais ou o seu modelo, não serão úteis para o mundo islâmico. Os modelos de eleição por voto individualizado parecem-me absurdos para aplicação imediata, a duração dos mandatos deve compreender talvez períodos mais largos (entre 6 e 8 anos) e devem ser regimes presidenciais, com um Parlamento a funcionar como Câmara baixa e um Conselho tribal a funcionar como Câmara Alta.
Os líderes religiosos teriam uma participação consultiva, mas longe dos poderes Executivos.
Devem ser os líderes religiosos a traçar o limite da sua influência e saber estabilizar o papel da religião.
A grandeza do Islão foi evidente quando a tolerância era um princípio e as descobertas técnicas e científicas eram patentes nas suas cidades. Hoje, a religião contraria aquilo que fez a grandeza dos seus povos e é isso que deve ser combatido pelos próprios.
Como amar o inimigo
A proximidade e influência Ocidental no mundo com base no modelo de Globalização que ora se implanta no mundo e é aceite de forma cega será o pior inimigo para a democratização do Islão.
A velocidade das mudanças de hábitos e comportamentos jogam em desfavor das mesmas e compromete uma visão de futuro. Não podemos de facto passar de um modelo rígido, fundamentado na religião e em leis e costumes limitadores, para um plano de profunda liberdade de comportamentos e hábitos sem que isso represente uma heresia e uma componente de rastilho ao Fundamentalismo. Há que trilhar alguns pequenos passos prévios.
Tomemos como referencia o estatuto da mulher nas sociedades do Islão, as contradições e descaminhos.
Da obrigatoriedade da burka no Norte do Afeganistão até o curso universitário no Irão distam pouco menos de meia centena de Kilometros e muitas incoerências.
Em lugar de nos perdermos no acessório, que representa o vestuário, importa. Numa primeira fase mudar o estatuto da mulher no Islão e levar ao reconhecimento dos diferentes líderes religiosos da igualdade entre homem e mulher no que diz respeito ao acesso ao conhecimento, aos direitos de igualdade perante a justiça e a lei e o direito de poder exercer qualquer profissão. Porque estes e não outros? Porque a mulher no Islão mais conservador, para efectivar a sua liberdade necessita de poder ter acesso ao ensino. É o pão que alimenta esta mudança e que permite uma garantia fundamental: o direito de ser pessoa ciente dos seus direitos, o que nos leva à segunda questão que tem a ver com o reconhecimento de que uma mulher não pode ser apedrejada, adquirida ou simplesmente anexada a uma família contra a sua vontade expressa. E que o seu pai e marido não estão mandatados por Alá para cumprir um estatuto que não existe no Corão (que tece loas à mulher e ao seu papel no contexto da família mas não a exclui de qualquer oportunidade real na sociedade).
Existir no espírito da Lei não quer dizer que seja cumprida, daí a importância da educação. Finalmente, o trabalho, isto é, o direito a auto-suficiência que possa garantir a mulher lutar pelos seus direitos e, se por todos abando nada e rejeitada, seja capaz de suprir as suas necessidades, reconstruir-se ou mesmo resistir.
Pode parecer absurdo e muito distante do contexto real mas numa grande parte do Islão não seria impossível estabelecer estas regras, mesmo a nível da ortodoxia religiosa. Assim o queiram assumir (coisa que não farão se sentirem a coesão das nações ameaçadas do ponto de vista religioso sendo vital que estas mudanças sejam protagonizadas pelo Islão e não por pressão do Ocidente).
Um modelo de Democracia Islâmica
Durante este século, o modelo Democrático do Islão terá sempre de compreender que a religião estará na porta ao lado.
A proximidade do Poder será inevitável.
No entanto, o seu afastamento da esfera executiva e judicial será inevitável caso as nações queiram sobreviver enquanto tal. O processo poderá ser atrasado pela resistência ao conflito israelo-palestiniano, a manutenção da oligarquia saudita e ao extremismo islâmico mas será irreversível.
Todavia, as suas características terão de ser aceites pelo Ocidente. Serão durante muitos anos regimes personalizados que por vezes ultrapassarão os limites dos Direitos Humanos e que terão avanços e recuos na sua prática.
A forma como o Ocidente se relacionar com eles será decisiva. Sem paternalismos ou hesitações, sem intransigentes apoios ou oposição continuada. Tal como a comida árabe, a diferença entre o sublime e o intragável está na quantidade de tempero, o Ocidente terá de dar mostras de um tratamento igual para Israel e Palestina.
No Islão nada mudará enquanto o Sionismo for frontalmente apoiado (ou tolerado conforme a latitude).
Se o pragmatismo vingar provavelmente teremos mudanças no próximo século. Se tudo se mantiver, o petróleo deixar de ser uma fonte energética prioritária e a Palestina desaparecer, poderemos ver surgir uma grande frente, o Grande Islão, composto por grupos mais radicais que alastrarão a sua influência além fronteiras, compondo um mundo de antagonismo e rejeição do diálogo.
E este antagonismo atrasa toda a Humanidade e atrasa aquilo que poderá ser o interesse mútuo do planeta: a sua preservação.
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