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Balanço e Contas: 2 anos de governação

Ao fim de 2 exaustivos anos de governação importa fazer uma reflexão não sobre os atos do governo mas sim sobre o comportamento da sociedade em geral relativamente ao que se está a passar.

Para faze-lo, importa ter presente algumas premissas que a comunicação social e as pessoas em geral insistem em negligenciar e a fingir ignorantemente que não são as traves mestras do comportamento governativo:

1. Este governo não governa para os portugueses nem para os seus eleitores;

2. Este governo não pretende implementar qualquer modelo económico. Pretende apenas criar a rutura necessária à implantação de um;

3. A sua intervenção orienta-se por uma falsa perceção de que a sociedade portuguesa entrou em rutura com o socialismo e as conquistas sociais do 25 de Abril;

4. Para agradar credores e cair no goto do sistema financeiro que irá propiciar empregos futuros a quem for mais bandalho com o seu país, usou o medo para tornar a mudança incontornável, culpando e responsabilizando aleatoriamente setores da sociedade, classes profissionais, consumidores, jovens, idosos, etc. na tentativa de atirar uns contra os outros num processo de inconsciência coletiva.

Se os portugueses se deixassem de convencimentos e olhassem para a verdadeira questão que nos trouxe até aqui, não estariam tão assustados. Veriam que foi um processo onde foram seduzidos, usados e atirados para a sargeta quando já não tinham serventia.

Há 2 anos atrás todos queriam ser vampiros e sugar o sangue socialista e votaram na vingança ou na ilusão de que o sistema politico nacional não corre em linhas paralelas entre estes dois partidos, pensando que esta mudança poderia levar aos Tribunais os presumíveis implicados na hecatombe económica do país.
Nesta fantasiosa ilusão, os portugueses não perceberam que nunca haverá cadeia para quem se serviu do Estado antes ou depois entre estes dois baluartes partidários nacionais. São partidos que controlam e convivem com a Magistratura, com a inépcia do Ministério Público, com a incúria Judicial e tem uns centos de homens de mão para doutrinar a opinião de quem não percebe a falta de seriedade do sistema por eles criado e que alimenta inúmeros servos.
E já ninguém se lembra de quando Portugal começou a afundar. Mas posso recordar-vos: dia 1 de Janeiro de 1986 começamos a receber dinheiro a troco do esvaziamento da economia, assim como se engorda um porco ou embebeda o perú antes de por a faca a amolar; a 7 de Fevereiro de 1992 passamos não só a engordar como deixamos de poder escolher a farinha que nos torna obesos e doentes: tudo passa a ser definido e determinado por outros mais ricos e poderosos (e nós até achamos bem, atendendo a confiança política que nos inspira a malta que temos por cá!) e finalmente, a 31 de Dezembro de 1998 ficamos a saber (alguns) que seriamos extintos cheios de rótulos negativos.
Tudo isso entre uma Expo 98, uma capital da Cultura, um Europeu de futebol!

Quer isso dizer que a CE é um papão que só existiu para nos engolir vivos e nos maltratar, coitadinhos dos pobrezinhos, bons alunos e muito simpáticos a acolher turistas? Não.
A CE deu-nos a oportunidade de termos uma Economia de Mercado, capitalista e concorrencial. Não nos disse para deixarmos a agricultura: quem fez isso não leu os papéis até o fim. A Europa apoiou a reorganização agrícola, apontou para a reconversão do minifúndio e aconselhou Portugal a desistir de áreas em que não poderia concorrer ao nível da monocultura (tanto é verdade que não se negaram a apoiar a produção leiteira em Portugal, suposto bastião francês!). O tipo que supostamente nos levou a riqueza (acho que trabalhava nessa altura…) deve ter lido na diagonal, muito ao jeito dos self made men!
Mas mesmo que tivesse lido direitinho, Portugal não queria mudar. No Minho cada um queria a sua leira e só a vendia por 20 vezes o valor que a terra renderia e que não serviu para plantar mais do que casas de emigrantes, rigorosas e helvéticas quando comparada com o bem patrimonial local, acanhado, mesmo ali ao lado.
E as grandes herdades plantavam coisas para não colher e receber o abate da monocultura que dava uma produção de grande cilindrada na capital. Mas como sabiam eles isto? Tinham amigos, pois. E não tinham vergonha de envelhecer o Alentejo e Ribatejo, fazendo migrar os poucos jovens que se dispunham ao trabalho. Agora moram alguns raros velhos entre povoações a quilómetros umas das outras, entremeadas por estufas catitas de holandeses que não precisam de ninguém. Ou de alemães e franceses que compra mão-de-obra escrava através de agencias duvidosas.

É assim. Portugal não “quis” uma economia de mercado. Éramos socialistas. Mas não muito.

Depois do arcano revolucionário, sub-pai da Democracia portuguesa ter encarcerado o socialismo numa gaveta e o Alzheimer ter-lhe atacado ao ponto de nunca mais saber em que secretária foi (recentemente dá uns ares de Black Block mas acho que não consegue partir montras…) o país viveu uma catita mercantilização, dava-se umas esmolas de Fundo Social Europeu aos sindicalistas (que engordaram e se fizeram barões!) e a coisa lá ia andando.
Rosnava-se mas havia dinheiro e o futebol era entretido.
Queríamos ser socialistas mas isso da solidariedade é muito chato! Obriga-nos a participação. Ao menos na extrema-esquerda as miúdas eram mais giras! Havia dinheiro e de 4 em 4 anos regava-se a Função Publica para ela florir em boletim de voto!
A “qualidade dos serviços” media-se pela ascensão nos escalões e na grande, gorda e precoce reforma dourada pela unha encravada incuravelmente detetada por um médico que “era amigo da Amélia da contabilidade e que já lhe tinha passado umas baixas a seguir às férias grandes!”
Era assim, o bom e velho e socialista Portugal dos abonados (não eram ricos, eram abonados e sabiam e tinham tempo de aproveitar todos os furos e oportunidades do momento e discutiam ferozmente com o sistema quando lhe ficavam com 2 centavos do ordenado… Bem, ainda o fazem!

Depois veio o Euro e o crédito. Podíamos viajar para qualquer lado e dizer que as coisas no Benin “eram tão em conta! Comprei montes de artesanato que pus na garagem porque fica horrível nesta nova decoração que compramos para a sala!”.
E utilizávamos a fórmula QSF (Que se foda!) para a resolução de todas as dívidas que se acumulavam. Seria culpa nossa? Sim e não. Ninguém nos avisou e esquecemos o que os nossos avós passaram na guerra, aquelas histórias que contavam no tempo em que ainda ouvíamos os velhos.

E finalmente fomos dando conta que uma data de gente tinha ido ao bolso da nação e colocado o país em off shore numas ilhas quaisquer. E que já não tínhamos nada, só dividas. E que não havia certeza se nos emprestavam mais e nós aqui, janados por viver a crédito (o Estado, entenda-se. Não nós que não somos o Estado…)
Figurão a figurão, foram caindo em desgraça todos os que andaram a pregar o interesse público, os valores, o trabalho e toda aquela verborreia anacrónica. E apareceram políticos moscas varejeiras, zumbindo populismo nos nossos ouvidos a fazer de arauto dos deuses, trepados numa pilha de supostos jornais que lá iam soltando escutas e documentos que pagam a peso de ouro e que o Ministério Publico nunca descobre, ou descobre sem mandato ou um qualquer erro técnico que a tropa de advogados de traficantes de influência descobrem no meio do travamento da Justiça.

Chegados aqui, o que aconteceu? Simplesmente, não nos assumimos. Não fomos socialistas, não merecemos Abril. Mas também não fomos sociais-democratas, liberais, comunistas ou outra coisa qualquer. Criticamos e nos deliciávamos com a Europa mercantil, financeira e oportunista. Fomos os garotos que sempre somos, à espera do tau-tau do paizinho e do ralhete da Sra. de Fátima! Aproveitamos, como se tivéssemos descoberto uma entrada secreta para a pastelaria! Entremos com gula, vivemos o exagero e saímos de caganeira. Nada de novo. Somos diferentes dos outros? Não. Em Inglaterra fizeram um riot do nada que demorou uma semana a controlar. E muitos dos envolvidos nem sequer eram perigosos delinquentes. Foi a oportunidade que os criou.

E agora.
Agora, é ouvir uma data de malucos que se juntaram nas televisões, a falar das coisas como se não fosse nada com eles e, quem quiser, acredite.
Avaliem o governo como quiserem. A mim não me surpreendeu. Para ser franco, até acho que se atrasou em reformas que não vai conseguir fazer porque são de uma falta de jeito confrangedora.
O que os patrões deste governo mandaram-nos fazer é simples:

.Privatizar todas as empresas, setores e serviços com interesse económico;
.Desmantelar o setor empresarial do Estado, alienando o que tem interesse a falindo o que não tem serventia;
. Reduzir a Função Publica para um nicho muito reduzido de trabalhadores (cerda de 20% do que são hoje);
. Promover alterações nos direitos laborais, limitação da lei da greve, etc.
. Pauperizar toda a população idosa que possui propriedade rural e limitar a ocupação urbana de pessoas de baixo rendimento para a futura reconversão agrícola, urbana e turística;
. Criar uma massa de desemprego (40% da população ativa) de forma a reduzir os custos do trabalho;
. Eliminar os Direitos Sociais mais importantes, alterar o quadro legal dos direitos, liberdades e garantias e tornar 50% da população ativa completamente dependente de baixos salários

Depois de tudo estar privatizado e em escombros, entra em força o novo Plano Marshall (que obviamente não será conduzido pelo governo português), com o capital estrangeiro tomando conta deste futuro “milagre económico” que ocorrerá daqui a 8 anos, mais coisa menos coisa.
Nessa altura já não haverá Democracia (embora continuemos a votar, mais ou menos como agora!), nem direitos sociais e muito menos económicos.
E porque temos de ficar chateados?
Porque insistimos em avaliar o governo em lugar de avaliarmos o nosso papel.
O governo está a desempenhar medianamente o seu papel. Escusava era de disfarçar ao que vem (na verdade não tem muito jeito. Meteram um cómico na Economia, um cínico nas Finanças, um ignorante como PM e uma data de gente ansiosa por um empreguinho na Goldman & Sachs (espero ter escrito bem. É que muitas vezes confundo com Banco de Portugal!) no final da legislatura.

Que se portou mal no final fomos nós.

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