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As semelhanças entre o Papa e a batata transgénica

Não intento construir uma heresia. Longe de mim a ideia de excluir a visita de qualquer líder religioso a um país. Qualquer um pode aportar e com certeza será bem acolhido, mesmo que o poder político tenha de se esconder de um deles (Dalai Lama) para que a China não amue.

Tão pouco estou a descredibilizar a batata transgénica, agora autorizada a florir nos nossos abandonados campos agrícolas.

Nem o Papa é uma batata, nem o puré é papal (parece uma frase da Cartilha Maternal).

Registo apenas que neste mundo de opacidades (a que O Opaco dá particular atenção) as semelhanças podem ocorrer onde menos se espera e aquilo que parece não é sendo o que não parece, possível.

Este princípio coloca-nos perante a circunstância de constatar as semelhanças entre realidades distintas.

Ultrapassado o primeiro impacto (e espero que mais descansados com a explicação), vejamos as razões de tais coincidências:

1. São ambos mensageiros do tempo: o Papa é um mensageiro. Traz a palavra e a crença num conjunto de fenómenos de ocorrências passadas a 2000 anos e que supostamente legitimam uma identidade divina.

A batata transgénica também é uma mensagem do tempo actual. Uma afirmação em forma de tubérculo de que o mundo mudou e que nada do que se diga ou faça poderá evitar que a ciência genética a par de interesses políticos e económicos transforme a natureza.

Tal como a Igreja ensinou princípios e normas, para o melhor e o pior, também a Ciência e o Marketing dos produtos afastar-nos-ão de uma lógica de simbiose ecológica da espécie.

2. Não são consensuais como seria de esperar. A Igreja prega uma coisa e muitas vezes faz outra; a ciência tem um objectivo indistinto de superar a condição natural humana e cria novos monstros e perigos com os quais não sabemos lidar.

Este carácter especulativo é normal nas estruturas que adquirem uma dimensão que se sobrepõe ao seu objecto, o homem.

A bomba atómica e a batata transgénica causam o mesmo impacto que a Crucificação. São extremos e não interpretáveis à dimensão humana. Causam medo, receios vários. Suscitam admiração e rejeição em igual medida porque provém de estruturas dominantes a que não pertencemos e das quais duvidamos por principio tendo como base as suas argumentações e práticas correntes.

3. Não convivem bem com outros organismos vivos. A batata transgénica (assim como o milho) podem provocar uma polinização cruzada, isto é, a transmissão de genes para outras culturas próximas e eliminar (dado o seu potencial sucesso económico) outras espécies autóctones (tem acontecido com o milho que tem vindo a perder diversidade em prol de espécies mais rentáveis). Claro que há estudos que provam que o risco é negligenciável, não fossem grandes multinacionais a promover os mesmos.

Não é preciso ser agricultor para imaginar que os ventos não sopram sempre da mesma forma e que as abelhinhas fazem o seu trabalho, sejam espécies naturais ou não.

Também a Igreja (de que o Papa é dignatário máximo), convive mal com o seu tempo. Os homens passam a vida a pecar, sobretudo no capítulo sexual. A Igreja sempre lidou mal com estes assuntos porque não quer compreender a essência da natureza humana e acha que moldando a mesma na repressão, resolve o problema. Que o queira fazer com os seus representantes é lá com eles (pelos vistos também não corre lá muito bem!) mas que queira faze-lo junto dos povos todos da mesma forma parece um contrasenso.

Pregar o não uso de preservativo em África é como adjudicar um genocídio. Ignora princípios como o respeito pela vida humana que já existe e o perdão que tão gratos são a todas as religiões.

4. A ciência é o principal problema do Papa e da batata transgénica. Embora de carácter diferente, a Igreja esbarrou em tudo que a legitimava (e da qual não se informou antes de ditar as suas leis). Ele foi Galileu, Giordano Bruno, Newton e por aí fora. Não conseguiram acertar uma. E qual comunista ortodoxo foi dizendo, “está bem, mas… (e muda de assunto). É esta ortodoxia que leva a um dos debates mais absurdos da América e que diz respeito ao ensino da Teoria da Evolução de Darwin e com o qual gastam a paciência de um santo. A Educação do Estado é laica, graças a Deus!

A aceitação de uma Teoria explicativa da evolução das espécies não modifica quem tem fé e crença nos princípios desta ou doutra religião. São assuntos diferentes e a prova é que existem cientistas católicos e cristãos que consideram um acto divino a noção da parentalidade entre mamíferos.

No caso da batata a situação é semelhante. Antes que se tornem uma panaceia para os males agrícolas e alimentares do mundo, alguns cientistas não dependentes directamente do Estado ou das multinacionais interessadas em fazer vingar o produto, avisam que se deveria ter um período de supervisão de 10/15 anos antes da banalização do produto. Esta sensatez pode esbarrar nos custos das empresas que forçaram os políticos a despachar o assunto pelos meios habituais.

Não conjuro medos, mas a sensatez de testes independentes e experiencias de terreno certamente deixariam todos mais sossegados. Mas é justamente nisso que esbarra a Ciência contra a Ciência. A oficial e tutelar contra a independente. Num tempo de descrédito das instituições, quem poderá validar qualquer estudo sobre o assunto? E os resultados serão respeitados?

Vivemos num tempo de verdades oficiais e artificiais, inventadas e promovidas por marketing específico. Quem tem fé…

5. Outra coincidência entre a batata e o Papa é a reactividade à contestação. A batata (personificando a ciência) e o Papa (na condição de representante da Igreja Católica) têm um desvairado horror às conclusões e oposições às suas conclusões. No caso da ciência ainda é mais grave porque se arvoram de uma arrogância putativa quando contestam a justeza das suas conclusões/criações, mesmo sabendo que o desígnio da ciência é a de, passo a passo, produzir saberes mais aperfeiçoados que por vezes negam liminarmente conclusões anteriores. Na ciência, contrariamente à religião, nada é absoluto. Mas a ciência também está a formar o seu “mainstream”, uma nada de vendedores de um novo conceito: o bem-estar que a ciência proporciona. O apelo a juventude eterna, a cura de doenças pela criação de órgãos a partir de células tronco e – lá chegaremos – à vida eterna. E há tratamentos, cirurgias, e tira células da criancinha, e copy/paste do intestino e exames de prevenção, prevenção e de prevenção. Nem dores podemos ter agora! Tudo a preços condizentes!

Não, não quero ser Matusalém, obrigado. Muito menos com os dentes todos, de descapotável à porta de uma escola! Perdoem-me se acho que a morte é normal!

Todo este artificialismo científico demonstra que o que temos não é ciência. É marketing.

A Igreja tem outra estratégia: perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem. E vão absorvendo os golpes entre o silêncio, os pedidos de perdão e o pagamento de indemnizações. Ao faze-lo reconhece as suas responsabilidades, a que faço a devida vénia, mas que não evita de continuar a reiterar que algumas mudanças de atitude na formatação da instituição (porque se tratam de decisões eclesiásticas e não de matéria dos ensinamentos bíblicos) levariam a diminuição dos seus problemas actuais.

6.Outra semelhança entre ambos é a esperança. Ambos, à sua medida fazem crer em algo de melhor. A batata na eliminação da fome, na resistência as pragas e doenças próprias da espécie e na redução da utilização de herbicidas e nos consequentes aumentos de produtividade. Claro que nenhum destes argumentos pega de estaca. A eliminação da fome depende da distribuição da riqueza e não da produção agrícola, a resistência as pragas acontecerá até as espécies adaptarem-se (ou todas morrerem, criando desequilíbrios no ecossistema que gerarão outras contrariedades) e a redução dos herbicidas será substituída por novos tipos de fertilização igualmente nefastos ao solo e lençóis de água. Mas há que ter fé.

Quanto a Igreja e as religiões em geral o problema está no prémio para a virtude tida em vida e a respectiva entrega ocorrer post mortem, o que dá uma certa margem de indecisão. Claro que o cumprimento dos preceitos tem de ser encarado como um prazer e algo de belo senão falamos de um caminho sacrificial que com o acumular dos anos gera a perfídia, a cobiça, a intransigência e intolerância e outros maus hábitos.

Mas há que ter fé.

7. A batata transgénica e o Papa também têm em comum o facto de serem absorvidas principalmente pelos pobres.

Metida na cadeia alimentar seja para alimentar animais ou consumo directo presumo que quem tiver dinheiro vai procurar outro tipo de alimentos pelo menos enquanto subsistirem dúvidas quanto aos seus efeitos. Apenas quem não tiver recursos para se safar deste ciclo vai consumi-las e arcar com eventuais consequências. Mas como são pobres, os Estados depois virão dar uma mão a essas empresas de excelência tecnológica, pagando indemnizações pequeninas ao fim de décadas de luta jurídica aos poucos sobreviventes.

Esperemos que tal não aconteça, mas quando vejo os nomes dos envolvidos (Monsanto, Syngenta, DuPont, Dow, Bayer, BASF) que controlam 100% da produção agrária de sementes transgénicas…

A religião cativa mais adeptos junto dos pobres. Quem nada teve, quem sofre e vitima das infindáveis injustiças do mundo acaba por ter de se voltar para a esperança de um mundo melhor. Tem lógica esperar que o sofrimento acabe pelo menos noutra vida, no Além, no Paraíso, etc.

Sem forças para lutar, sem uma organização que os acolha e apoie na reivindicação da justiça, não faz sentido esperar nada deste mundo. Mesmo com a Teologia da Libertação a Igreja deu-se mal porque a Igreja também é instrumento de poder e de interesses muito sombrios.

8. Os dois andam a fintar a interpretação da humanidade como sendo apenas mais uma espécie entre outras com direito à vida: uma penaliza o sexo, a outra inventa a criação in-vitro; a vida eterna prometida responde a outra com criogenia, uma tem milagres e a outra, células estaminais.

9. Não comemoro o Natal por isso estou a salvo de comer batatas transgénicas com bacalhau de aquacultura.

Uma última palavra sobre a construção do palco para o Papa com dinheiros públicos para dizer que concordo se na segunda parte actuar a Madona.

Informação não negligenciável:http://www.i-sis.org.uk/list.php

Comentários

Helena Henriques disse…
Dêem-nos pão, circo já temos no canal Parlamento e a batata não é de fiar

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