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América: a mitomania à volta de um sonho que já não existe

A mitomania (ou mentira obsessivo-compulsiva) é a tendência patológica mais ou menos voluntária e consciente para a mentira.
Dizer a verdade é um sofrimento para o mitómano, doença definida como uma forma de desequilíbrio psíquico caracterizado essencialmente por declarações mentirosas, vistas pelos que sofrem do mal como realidade.
Podemos dizer que o discurso do mitômano é muito diferente do mentiroso, que tem finalidades práticas. Contam histórias ao mesmo tempo que acreditam nelas. É também uma forma de consolo.
Tem origem na supervalorização de suas crenças em função da angústia subjacente. O mitómano sempre sabe no fundo que o que ele diz não é totalmente verdadeiro. Mas também sabe que isso “deve ser” verdadeiro para que lhe garanta um equilíbrio interior suficiente. Em determinado momento, prefere acreditar mais na sua realidade que na realidade objetiva exterior. Tem necessidade de contar essa história para se sentir tranquilizado e de acordo consigo mesmo.
Grande parte dos casos de mitomania leva ao suicídio, principalmente se associados a depressão e pós depressão. O indivíduo ao não obter o apoio necessário e ser excluído do grupo que frequentava ou participava acaba por vivenciar uma situação sem saída, isto é, acaba por ser excluído dos seus gostos e vê-se sem aquilo que ama e deseja. Casos comuns demonstram que mitomaníacos envergonhados suicidam-se quando os seus não compreendem a sua doença e o abandonam, não acreditando na possibilidade de uma cura ou não retomando os antigos laços afetivos.

(in Wikipedia)


Tenho acompanhado de uma forma não empenhada a escolha do candidato Republicano às próximas eleições presidenciais. Moderadamente porque, o volume das nossas próprias tolices nacionais quase sufoca, não sobrando muito tempo para ver o que fazem os outros. Para além disso, nesta altura, o discurso produzido pelos candidatos é para o próprio partido, a chamada “América profunda”, algo de temível como um filme de terror e de onde podemos esperar quase todo o tipo de catástrofe e distorção do tempo/espaço/realidade. Uma América crua e cruel, perdida entre o faroeste e o maniqueísmo, a uma distância quase interplanetária da América costeira. Fala-se para pessoas com uma visão excêntrica da liberdade e dos direitos e uma perigosa massa armada, inculta e mística. Daí que todo o discurso produzido por estes candidatos divide-se entre a idiotia vegetal, o absurdo extremista e a ritualização mística, ou seja: nenhuma palavra verdadeiramente inteligente. Procuram afagar os escombros do Tea Party, o apelo ecuménico das religiões do dinheiro e um sem número de fetiches que fazem com que, aos olhos do mundo, se pareçam com um circo de palhaços loucos.
Após a escolha do candidato, o discurso ganhará algum sentido e mostrará uma América mais ou menos conservadora, mais ou menos solidária com o mundo, mais belicista ou estratega. Depois, é só esperar que Obama ganhe, uma vez que, mesmo para os americanos, o crédito destas escolhas Republicanas é, dizendo simpaticamente, duvidoso.

Apesar de Obama ser em grande  parte uma desilusão (sem congresso, é difícil implementar o que seja que não fique entalado numa burocracia e aparelhismo quase tão competente como a da Comunidade Europeia), não acredito que as pessoas vão a correr para Romney (que presumo desde já como ganhador entre os Republicanos) pelo simples fato de ser mórmon, pelos contribuintes da sua campanha (ver: http:// www. opensecrets.org /pres12 / contrib.php?id=N00000286 ) e porque para a América conservadora ele não será tão profundamente liberal quanto desejável. A raiva instilada pela extrema-direita e o seu canal de comunicação FOX, a cor do Presidente e as suas vãs e não esforçadas tentativas de se opor aos monopólios e interesses instituídos pelas corporações americanas não serão suficientes para unir essa direita, sem modernidade, sem perspetivas e sem liderança.
Este beco sem saída onde a América se meteu (incapacidade de reforma, intolerância à mudança, vivencia à volta de um orgulho nacionalista e valores do passado que não contém qualquer eco na vida real atual), leva a pergunta fulcral: estará a América a viver o seu último momento de demência?

Todos os conceitos e contextos usados na fabricação do “american dream” de outrora parecem fósseis esquecidos que não conseguimos reconstruir. A relatividade dos processos políticos, as interdependências e – curiosamente – a incapacidade da América em lidar com o processo de globalização (à parte as suas multinacionais que desde há muito já não pertencem a América!) e com a “perda de si próprio” no processo de dominação económica, no jogo em que todos dependem de todos. A fonte identitária secou: ficaram os símbolos e as palavras. Ficaram os símbolos do culto mas a crença partiu para lado incerto.
O sonho que construiu a América é agora um pesadelo demente de um povo que (ainda) sonha acordado. A construção da América e do seu sonho assentou em princípios. Alguns estão mortos outros estão entre o comatoso e o moribundo. São construções míticas que servem para agitar bandeiras, cantar o hino e disparar as armas, afinal tudo que a estrutura de dominação da América pretende dos seus concidadãos.

Democracia: para além de formalmente o voto não representar o povo mas sim um colégio eleitoral, a diversidade partidária não existe. Existem duas estruturas de poder inamovíveis e que não são ofertas credíveis aos olhos de 70% da população. Apenas 30% da américa vota. O ideal de um povo envolvido na construção da sua pátria é uma mentira com a qual nem sequer o povo colabora.

Liderança: o mundo não vê mais a américa como o baluarte libertador. Esta imagem acabou no Plano Marshall. A estratégia nuclear foi desfalecendo à medida que outros países têm tecnologia e meios para as fabricar e usar. O problema é que a América acreditou que a Europa era um parceiro, quando é o pior inimigo da América. A Europa nem deveria existir enquanto coletivo unido de países porque sabemos quem conta e quais os interesses desta Europa die fruhen arbeiten.
A América percebe agora que está só, que tem argumentos militares mas que poderá sofrer muito se a usar arbitrariamente e em que diplomaticamente nenhum país confia depois das estratégias do petróleo e no apoio a Israel.

Autoridade: A América perdeu a autoridade moral em Hiroshima e Nagasaki, depois de ter sido idolatrada em Pearl Harbour. De magnânima tornou-se mesquinha, de vitoriosa a genocida. Poderiam ter bombardeado o país com armamento convencional e cerca-lo economicamente, mas foi preciso mostrar ao mundo o advento do novo poder. Era preciso mostrar à Rússia o que a esperava se não travasse a sua ambição europeia. Perdida a autoridade moral, perdeu a autoridade militar com os seus “desastres” posteriores e com a evidente desvantagem hoje perante o terrorismo internacional, esse mesmo que a América ensinou, desenvolveu e expandiu com os seus “adidos” militares, “conselheiros” e “especialistas da área da segurança e informação”. Poderão ter a eletrónica do seu lado (ainda os veremos a usar os seus drones contra a sua própria população!) mas isso não é nada que um copo de água não possa destruir. Afinal, David derrotou Golias com uma pedra!

Direitos Humanos: Apesar de apregoar aos 4 ventos a sua defesa incondicional e fazer relatórios sobre os outros países, apontando as barbaridades dos outros, recusam os seus pecados. A pena de morte é um deles, apenas um. Se formos a direitos mais elementares, constatamos que os Estados Unidos estão, neste momento, ao nível do Irão, da Indonésia e de algumas ex-repúblicas soviéticas. Neste capítulo, até aos anos 70 ainda tinham liberdade de imprensa. Agora, nem isso.

Capitalismo: A panaceia para a felicidade humana, onde o sinal positivo está sempre ligado ao consumo e produção resulta no que de fato se verifica: o mundo entregue ao capitalismo separa as pessoas (85% de pobres), os povos (as diferenças entre continentes e países são cada vez mais evidentes), a extinção dos recursos (dos quais a água é o mais visível, mas o mesmo se passa com o petróleo e as suas intermináveis guerras para manter preços fictícios ou os recursos necessários a produção tecnológica que utilizam exércitos de opressão para escravizar e controlar os trabalhadores na extração de estanho e tântalo) e pessoas (exploração demencial de mão de obra de tal forma que as janelas dos “dormitórios são gradeadas para evitar os suicídios!). A mentira histórica da liberdade, da livre iniciativa e da individualidade tem o mesmo tamanho do que foi utilizado para enganar os russos com o seu Estado policial e autocrático.

Sucesso: O mito iconográfico do “vencer na vida”, deixar herança e dar o melhor do mundo aos seus. Este sucesso que é feito à custa sempre de um terceiro que não terá nada para deixar e nem o básico conseguir assegurar pela obsessão cumulativa de bens, do prestígio e dos signos de um estatuto superior que em nada designam a qualidade da pessoa mas o que ela possui e toda a estratégia de aproximação entre o Ter e o Ser.
Os mitos do sucesso, na América, são vazios, voláteis e inconsequentes. Alguns totalmente improdutivos e mediáticos. Nenhum valor, ideia ou feito são destacáveis, apenas o seu “volume” (de vendas, de consumos, de sucessos fátuos, de “casos” e acasos). Vende-se uma ilusão que cada vez menos seduz e que ilude apenas os que não querem ver que a condição da riqueza de alguns é a condição da pobreza de muitos.

Liberdade: A América aproxima-se do modelo de Estado policial europeu, isto é: toda a liberdade é vigiada e a sua dimensão regulada por um politicamente correto discurso veiculada com a capa de Direitos. À custa do medo do terrorismo, controlam-se os movimentos com câmaras nas ruas, à conta do bom nome controla-se a Internet, o que se divulga e o que se diz mesmo que levianamente. Controlam-se os vícios, os hábitos, os desejos. A América e a sua bi-moralidade vai-se esvaindo num compromisso meio místico meio ilusório de que o “Bom” e o “Bem” podem ser regulados e certificados institucionalmente. Desenha-se um novo holocausto, agora para todos os que não corresponderem a um padrão desta monstruosa encenação.

Diplomacia: A diplomacia na américa é o soco! Os super-heróis da BD retratam exemplarmente o que pensam que deve ser feito com o inimigo (e o Inimigo da América é todo o mundo exterior!). A América conhece a violência, a sedução e a corrupção como estratégias centrais da sua política de “aproximação”. Veja-se os países árabes, a negociação do petróleo em dólares; veja-se como eliminou sumariamente personalidades nacionalistas em diversos países, como apoiou e ensinou a tortura e o terrorismo nos 4 cantos do mundo. Tudo feito com a noção de desígnio (ou eles ou nós!) e o argumento de que os outros eram suficientemente fortes para fazer o mesmo sem dramas morais ou hesitações. Onde foi que se perderam? Em que momento olhou para o lado e tornou-se igual ao que odiava? Há dois tipos de nações que têm relações de proximidade com a América: os credores e os que a invejam. E a América acredita que não tem de mudar radicalmente.

Justiça: Tal como em Portugal, onde o STJ decide sempre a favor de quem esteja mais próximo do PSD, ignorando soberanamente as decisões e conclusões das instâncias anteriores que tem um conhecimento mais perfeito e concreto dos casos, por vezes ignorando mesmo de alto abaixo tudo o que foi decidido anteriormente, acrescentado fatos e argumentos penosos, destituídos de sentido e cada vez mais distantes do real, a Justiça na América é mediaticamente célere mas o seu real efeito (a Justiça) é “negociável”. Quanto melhor (e mais caro) for o advogado, quanto mais próximo das instâncias do poder, do “ futebol” ou de outras “agremiações” mais negociada será a decisão. Evitar o mediatismo de um caso, mesmo que complexo, é o principal perigo a evitar ou a promover, dependendo dos objetivos. A Justiça na América, tal como em Portugal, é uma questão de preço, parcerias, amizades e pertenças.

Religião: No meio de um povo pobre, mal nutrido, sem cuidados de saúde, abandonados a sua sorte ergue-se a catedral das diferentes crenças. Os 17% de pessoas que não professam qualquer religião são uma sombra no meio de Evangélicos, Protestantes, Adventistas, Testemunhas de Jeová e por aí a fora. Religiões com telemarketing, publicidade, canais de TV e opinion makers disputados por candidatos políticos. A religião é uma espécie de futebol com a desvantagem de durar mais tempo e condicionar (contaminar?) de uma forma decisiva os 25% da população pobre (as estatísticas oficiais apontam para 15,1% - 46 milhões de pessoas mas a formula usada na América é, no mínimo, uma ação de má-fé porque é medida por um rendimento que, por si só, já é muito baixo para a família média americana, excluindo desta forma uma parcela de cerca de mais 20 milhões de pessoas com rendimentos médios na ordem dos 15.000 USD/ano.
A religião é a bomba-relógio armadilhada da América onde se configurará a mudança terrível que ninguém quer assumir: a formação de um Estado talibã Ocidental.

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