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Acerca de “Seis notas pessoais sobre os resultados do Bloco de Esquerda”, de Fernando Rosas: uma opinião pessoal e absolutamente desinteressada.

Não sendo simpatizante ou militante do BE, revejo-me em algumas causas e princípios, sensibiliza-me alguns processos e interessa-me enquanto espaço de reflexão e reinvenção política.
Todavia a acção política do BE suscita alguma dúvida. A mim e a muitos que se revêem em projectos de esquerda que se querem abrangentes, inclusivos e verticais. E é justamente na acção política que acho que o BE se “espalha”. Quer ser visto como uma esquerda nova, diferente e inovadora e esbarra em erros primários de critério político que não se entendem ou que, pelo menos, confundem potenciais interessados. Recusar participar na reunião com o FMI foi um erro de apreciação democrática que até o PCP não cometeu, enviando Carvalho da Silva no seu duplo papel; apoiar Manuel Alegre foi demasiada ambição de aproximação ao poder ou, em tom dramático, “dormir com o inimigo”.
Nem o BE nem Alegre poderiam ganhar com uma aproximação a Sócrates (assim como Sócrates nada ganhou com a reconciliação com Alegre), como se viu nestas eleições.
Este “patinar” de quem sente que “estamos quase a chegar lá” (Poder), ao mesmo tempo em que não queremos assumir o lado amargo da liderança confundiu militantes e apoiantes e desresponsabilizou uma larga margem de potenciais votantes que rapidamente concluíram que o BE é “igual aos outros”.

O BE tornou-se na sua própria causa fracturante. Descobriu a fluidez do seu eleitorado, a fraqueza da militância (que num partido de esquerda se nota mais) e que o “seu” potencial eleitorado não vive de sound bites e estratagemas falaciosos e simplistas. O eleitorado do BE é universitário (alunos e professores), bem formado e informado, profissionalmente especializado e ciente que a competitividade social não pode deixar de ter um carácter inclusivo para os que não o conseguem. É libertário mas quer a segurança burguesa, não se importa de pagar altos impostos mas quer resultados evidentes, quer uma vida de qualidade europeia mas têm uma real percepção humana para os sacrifícios que esta escolha encerra. Acham, em larga medida, que o Estado deve corresponder aos seus Egos e ainda não interiorizaram que muito das suas reivindicações são, na prática, uma permuta geracional de status quo e não uma alteração/revolução de mentalidades. É preciso esclarecer que o modelo social deste século em nada corresponde ao anterior e que não poderemos ter os padrões de consumo, abuso ambiental, desvinculação cívica doutros tempos. Os eleitores devem ser criticados nos seus vícios e manias e alertados sobre o que é a realidade e o que corresponde a delírio! Mais do que qualquer outro partido o BE (por não ser um partido de massas) tem a obrigação de esclarecer a sua visão social sem demagogias ou discursos de lugar-comum, próprios ao vendaval populista europeu.

Este é o século em que as sociedades terão toda a responsabilidade da sua própria condição e se continuarem a sonhar que tudo não passa de uma questão de emprego e direitos, podemos contar que o modelo liberal exterminará a democracia burguesa.

Mas afinal, que esquerda é o BE? Elitista? Fará sentido o apelido de Esquerda caviar pelo qual o BE é apodado frequentemente?
Penso que não, mas há uma imprecisão no BE em aproximar-se da real estrutura do país (envelhecida, empobrecida, isolada e doente) por duas razões: uma por recear a “contaminação” da realidade (20% são pobres, 15% estão no limiar e outros 12% correm sérios riscos de cair neste espaço) e por outro por não saber qual o seu espaço de combate. Custa-me muito ver o demagógico Portas nas suas sessões de populismo e de sebosa simpatia, suficientes para desencadear a fúria até num Abé Pierre e o BE não conseguir sequer uma aproximação efectiva e afectiva quando dispõe de uma militância jovem, capaz de desempenhar novas formas de envolvimento junto das comunidades (exemplo paradigmático foi o acolhimento local do projecto de um grupo de jovens no Porto que ocupou uma escola abandonada, criando um centro de apoio com impacto na comunidade e que viria a ser despejada de forma desproporcionada pela Câmara do Porto, revoltando a população local).
Quem tem a ideia de que o povo é reaccionário e que tem de ser “liderado” para a mudança é porque nunca viveu com ele ou a ele pertenceu. Há mais provas de tolerância e partilha num idoso analfabeto do interior do país do que em muitos dos “tratados vivos” da nossa intelectualidade mórbida lisbonense.
Não acredito na tese do pânico. Acho sinceramente que, tirando os 750 mil desempregados (sim, contabilizo os que já não entram nas estatísticas, os que desistiram e os que foram embora) ninguém ainda “sentiu” verdadeiramente a crise. Percebem que o céu está carregado de nuvens e que se aproxima borrasca, mas ainda estão na ilusão de que o seu guarda-chuva resistirá. Acho que as pessoas queriam livrar-se de Sócrates antes que tudo. Por inerência o resto da “esquerda” foi despedido também (e ninguém fez o discurso de que o PS é tudo menos socialista há – pelo menos – 24 anos!).

Interiormente a nossa (portuguesa) necessidade de protecção votou não em Passos ou num projecto neo liberal: votou em Cavaco e Silva, o velho protector, o que a todos pede recato, respeito e frugalidade. E este é o verdadeiro dilema nacional: como abandonarmos o “ pai”? Como deixarmos de uma vez por todas de sermos uns personagens de Júlio Diniz ou de Eça, jovens burgueses estouvados que estão sempre num passeio de finalistas!
Também não acredito que o voto do BE tenha ido para ao PS para compensar o efeito anti-psd. O que o PS perdeu foi exactamente o que o PSD ganhou. São o povo do “centrão”, os que acreditam que podem salvar-se do afogamento nem que seja apenas com os buracos das narinas de fora! Serão estes, desta vez, os primeiros a ficar a boiar imóveis!

A continuação ou não de Louçã é um problema interno. Se há erros estratégicos e de discurso, estes podem ser corrigidos sem que a pessoa esteja em causa; se foi a forma e os meios de transmissão da mensagem que não resultaram devem ponderar noutras alternativas. Não gosto de despedir treinadores quando os resultados não aparecem embora a política não seja bem um jogo de equipe….

Assim sendo acho que o BE tem de resolver um problema identitário de raiz: quer ou não ser um partido com ambições de poder. Se sim, está disposto a “sujar as mãos” no terreno e na táctica política ou manterá uma posição de superioridade equidistante do eleitorado e da “mesquinhez política”? Estará disponível para agregar movimentos dispersos da sociedade civil e dar-lhes representação? Abandonarão o “esquerdismo” para se dedicarem ao “socialismo”?

Qualquer que seja a decisão das sensibilidades internas do BE, chamo a atenção para 3 pormenores (ou pormaiores!):

1. Unir a esquerda é um trabalho gigantesco. Mas é necessário e bem-haja quem o fizer;
2. Unir a esquerda decretará o fim do PS tal como o conhecemos. Bem-haja quem o fizer;
3. Unir a esquerda obrigará a mudança no PCP e o fim da ortodoxia. Bem-haja quem o fizer.



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