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Porque não te calas?!

Com esta frase inaugura-se mais um capítulo das relações entre a Europa e América Latina.
A Democracia, este capricho ocidental que, qual religião a expandir-se para além das terras dos Mouros, revela-se na sua melhor versão.
Cinco séculos de colonização cruel, imposição religiosa, imperialismo grotesco e “relações de amizade entre os povos” criaram um tiranete de bolso como um produto que, pelos vistos, ninguém quer aturar!
“Porque não te calas” (bem podia ser o nome de um bolero) é, no fim de contas, tudo o que representa o diálogo Norte-Sul. É o sentimento do sul-americano pobre que olha para a Europa e América como uma imensa despensa guardada por muros e arame farpado.

O esforço de Zapatero (o único a ficar bem na fotografia) em responder a Hugo Chavez numa correcta polidez e consciência de onde estava, ficará na história como um testemunho a paciência.

Quanto aos outros dois passaram a imagem tonta do que representam: um, o representante simbólico de uma forma secular de poder que foi utilizado para vergar as províncias espanholas a não se porem com ideias autonómicas; representando o que há de mais cabotino na Europa (juntamente com as restantes famílias reais que são uma espécie de atracção turística); o outro, o avatar do latino-americano caracterizado pelas histórias do Tintin do qual podemos esperar tudo de mal ou bom.
Adivinho em toda a América Latina muitas palmas e gestos de congratulação por Chavez ter feito o que fez (chamou fascista a um ex-primeiro ministro da direita espanhola. Como se a direita, do ponto de vista latino americano, não fosse mesmo isso!). Imagino também que os sectores intelectuais do Brasil, Chile e Argentina estejam doentes com a promoção popular do tirano, que de Direitos Humanos não há de perceber grande coisa e cuja noção de democracia…
Ainda não passei os olhos por outros blogues, mas imagino as palmas da direita europeia!

Vinhas

Comentários

Helena Henriques disse…
Pois, puseste nas palavras certas tudo o que eu sentia sobre este triste episódio. Bem-hajas!!! :-)
Anônimo disse…
So esqueceu a população venezuelana que anda a passear pelas ruas de Caracas com cartazes a dizer, imagine-se "Porque não te calas"
Helena Henriques disse…
Sim Pedro, só que a personagem conseguiu ter a sociedade dividida 50-50, e cada vez mais radicalizada, ou há um milagre ou aquilo acaba em guerra civil - é muito grave. Claro que os desesperados anti-chavez (e não espanta o desespero porque o Chavez tudo faz para transformar-se em grande timoneiro) esperam desesperadamente qualquer atenção da comunidade internacional. O problema é que uma entrada desastrada como esta alivia uns e radicaliza outros. Não me parece boa ideia. Mesmo. E a intervenção de Lula (reconhecido moderado) parece dar razão ao Vinhas.
Anônimo disse…
Vamos lá ver se distinguimos as coisas.
Penso que o que se passou na Cimeira foi, simplificando, uma sucessão de arrufos pessoais sobre questões diferentes.
Pelo prisma de Hugo Chavez:
Recuando a 2004, numa Comissão Parlamentar de Assuntos Exteriores, Miguel Moratins, ministro dos negócios estrangeiros de J.M.Aznar, confrontado sobre o envolvimento da Espanha na tentativa de golpe de Estado ocorrida em 2002 na Venezuela e liderada por Pedro Carmona afirmou que "efectivamente houve um golpe e a prática do então governo (de Aznar) não correspondeu ás normas democráticas...". Mais afirmou esse ex-ministro, que o embaixador de Espanha na Venezuela recebeu instruções para, em encontro com o referido golpista, aconselhá-lo sobre os procedimentos correctos a seguir, para o seu posterior rápido reconhecimento pela comunidade internacional.
Chavez, com tamanho meteoro ainda no sapato, demorou, mas finalmente estrebuchou: Chamou fascista ao Aznar (bem, podia ser pior: chamar-lhe comunista, por exemplo).
Claro que escolheu mal a altura (já lá vão uns anitos), o palco (sempre era uma Cimeira em que um dos objectivos da agenda tratava a coesão social entre os povos) e o elenco (o Aznar já se passou para as conferências de politica internacional em Universidades e hoteis de luxo). Juntando á peça o facto de a representação de dama ofendida ter sido demasiado rude, resultou que um dos espectadores, habituado como está a espectáculos de altíssima qualidade em Teatros de refinado bom gosto, pateou a bom patear e mandou-o ir pentear macacos para a Amazónia: "Por qué no te callas?(!!!)", ou melhor: "Por qué no te callas!!!(?)"
Pelo prisma d'el Rey:
Então vem agora o índio, para além dos problemas que tem criado ao mundo, em particular ás nossas multinacionais com aquela inssistente e irritante mania de renegociação de contratos que nos eram tão favoráveis, ainda insultar os nossos antigos governantes e não deixar falar os actuais? Pensa que está na ONU mais o cheiro a enxofre e as visões do diabo? Que malcriadão! Aonde é que ele pensa que está? Com quem é que ele pensa que está a falar? O que é que ele pensa que a Espanha é? Vem-nos dar aula de liberdade e democracia, este ditadorzinho recalcado e ainda não assumido? CALA-TE!
Agora um aparte para o Vinhas:
O capricho ocidental da democracia assenta em peças muito frágeis cuja manutenção, que está a cargo de todos nós, tem de ser muito cuidadosa, sob sério risco de se lhe griparem as engrenagens. O respeito entre os interlocutores (sobretudo a nível de lideres) é uma dessa engrenagens.
Nesse sentido, pondo de lado a abordagem circence á coisa, foi efectivamente triste e lamentável o que se passou na Cimeira.
Também nesse sentido digo que não vejo as actuais monarquias europeias como representantes simbólicos dos negreiros e outras desgraças afins. São sistemas politicos aceites por opção popular de países livres com índices de educação superiores ao do nosso, e em democracias mais antigas e consistentes que a nossa. Acredito que são mais do que uma mera atração turística. Em particular o Rei em causa: Já está esquecido o general Tejero Molina? Foi aqui ao lado, há apenas 30 anos!
Sobre a criação do tiranete ser relacionada com a colonização cruel; se a nível interno não alinho no discurso da miséria actual como resultado da ainda badalada noite de 40 anos de "fascismo", a nível externo muito menos alinho no discurso do que se passou há 400 anos (bolas...no caso da Venezuela, são independentes desde 1821 e já foram um país de elevada prosperidade)
O tiranete (esse e outros) terá sido criado, mais pela actual "relação de amizade entre os povos". Então se nessa "amizade" entram as contas dos negócios da economia global...Aí, Aí, ainda vamos ver mais tiranetes! e muitos mais arrufos!!!!
Jony P'
vinhas disse…
Caro Jony P,
Seja bem vindo!
Discordo de alguns dos teus argumentos no que diz respeito a questão. Penso que se o rei tivesse de facto pensado em Espanha falaria como Zapatero e não como Chavez. O Rei pensou que era rei simplesmente! As monarquias europeias são algo muito intrigante. Nenhuma delas, que me recorde, tem uma função para além da representativa e mesmo assim naqueles assuntos diplomáticos de “imagem”. A parte a Inglaterra onde os bitaites da rainha têm algum peso, nos outros países, acredito que muitos cidadãos já se esqueceram de que tem um rei/rainha.Como se vê na Bélgica, o rei não adianta nem atrasa para a confusão instalada e em Espanha a contestação (que não é de agora) é permanente. Um inquérito do ano passado em Inglaterra também dá guia de marcha à família real.
Quanto ao famosos “golpe” em Espanha, Tejero Molina foi um pobre manipulado que juntou 50 tipos como ele. Não tinha qualquer apoio e o cheiro a farsa deste golpe até tresanda!
A colonização e a escravatura marcaram indelevelmente a história da América Latina, é inegável. A miséria não resultou exclusivamente de uma reprodução imediata da estrutura social aquando das independências (foi preciso lutar pelas fronteiras, atravessar muitos compromissos constitucionais) e a necessidade de ter um corpo militar de grandes proporções que fomentou nestes a permanente intenção de actuar na política. Esta fragilidade democrática criou o campo necessário a que grandes interesses económicos conseguissem melhores condições de exploração das riquezas Sul americanas. Não são 400 anos de colonialismo, são 400 anos de algo tão mal como isso!
Chavez não é mais do que o ingrato contraponto de tudo que a América Latina passou no pós-guerra!
Anônimo disse…
Vinhas, obrigado pelas boas-vindas.
Se o Rei tivesse pensado em Espanha falaria num registo diferente? Talves sim, ou... talves não tenha deixado de pensar em Espanha numa óptica diferente. Às tantas, o homem é sincero e pouco calculista. E sendo-o, talvés seja esse um dos motivos para o seu cargo ter tido o apoio de cerca de 80% dos espanhóis. É que são virtudes cada vez mais raras a politicos que vêem as eleições como áreas de serviço e, por isso, vão conduzindo conforme o nível de combustível que pessoalmente vão precisando.
Quanto ao famoso golpe de 23/02/1981, do general Alfonso Armada, e no qual o Tejero Molina foi efectivamente um pobre manipulado, não partilho de uma visão tão simplista. Espanha era um barril de pólvora! A Sociedade espanhola tinha, e ainda tem, muitas mazelas da guerra civil. O golpe não foi um mero amuo de 50 revanchistas. Nas televisões, em directo(sempre era a tomada de posse do governo de Calvo Sotelo), viram-se poucos, pois no assalto ao parlamento participaram apenas 200. Mas naturalmente que a operação não se resumia a isso: Estamos a esquecer, que os primeiros blindados da Divisão Couraçada Brunete já estava a sair do quartel para avançar sobre Madrid. Estamos a esquecer, que a presença de representantes socialistas e comunistas no governo pôs em pânico metade da população espanhola, já a imaginar futuras represálias por histórias antigas, de 40 anos antes. Estamos a esquecer, que muitas feridas, de ambos os lados, que ainda hoje estão por cicatrizar. O "Pacto de Esquecimento" não foi por acaso, e a figura do Rei para a subscrição desse pacto, por todos, de todos os quadrantes políticos, foi IMPORTANTÍSSIMA.
Pessoalmente, cheguei a ver em Novembro de 76 (e, com os meus 12 anos de idade, fiquei impressionado) uma multidão estimada em quase um milhão de pessoas(!), de braço estendido, nas ruas de Madrid, a propósito de homenagens no aniversário da morte de Franco. Aquilo era mesmo um barril de pólvora!
Sobre outras monarquias? Cada povo, desde que em consciência e em liberdade, lá saberá o que quer. Os símbolos e a "imagem" também têm o seu papel nos Estados e nos cidadãos (ou súbditos).
Relativamente á colonização, ás suas marcas ou a "algo tão mal como isso", do qual resultou na referida fragilidade democrática na América Latina? Bom..., em consciência,... penso que tenho de concordar! Efectivamente, é uma perspectiva muito pertinente que dá que pensar a um europeu pouco viajado como eu.
J.P'

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