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De como a resposta curta e grossa é uma necessidade nacional ou o apoio inequívoco a posição de Miguel Lobo Antunes

“ Um director de teatro não deve saber nada de economia para que não se deixe contaminar por esse discurso que se pega a nós e dificilmente dele nos conseguimos libertar.”

Com esta frase lapidar Miguel Lobo Antunes destruiu um anátema que paira sobre a cultura nestes últimos tempos.
A obsessão gestionária que assola o país, cercado por estranhos métodos estatísticos de avaliação de eficácia, produtividade e comparação de resultados absurdos entre realidades distintas pode enganar a todos por algum tempo mas cai por terra quando falamos de uma realidade imaterial denominada arte.

Actualmente, as constantes avaliações que imberbes gestores plantam no cenário da sociedade, atirando números, rácios e valores padrão que vão desde a avaliação do tempo de prestação de consultas médicas até o custo/benefício de um serviço que atende um número reduzido de pessoas (por exemplo, idosos) e que, fruto deste desiderato deve fechar, obrigando os utentes a dirigir-se a outros espaços (a 20/30 km do local de residência). E também o custo/espectador.
Esta pobre e ridícula mania de encolher a realidade a um único vector sempre me fez confusão Não que os números e alguma racionalidade não devam existir, mas nunca introduzida por uma parametrização unívoca e redutora. A realidade não é um acto isolado e a cada movimento nosso toda a sociedade se movimenta em redor e é isto que é esquecido e negligenciado pelos levianos gestores.

Funcionam da mesma forma triste que aqueles militares que controlam os “drones” ou as acções tácticas de guerra. Fazem parecer que nada tem uma extensão com o real, que a acção adoptada é benigna porque elimina o problema ou uma das suas parcelas mantendo intocável o restante sistema. Trata-se da forma mais doentia de encarar a realidade pelo simples facto de proceder ao esvaziamento humano em sucessivas exclusões: a unidade humana “eliminada” (ou contabilizada) tem família, crenças e ideias. Eliminando esta unidade, suprimimos afectos, prole, motivações e conquistas. Eliminamos amores, produtividade e consumos.
E apagam-se as fantasias de dor, esperanças e descobertas que seriam as relações desta unidade com todos os prováveis outros que encontraria na sua vida, fosse ela breve ou não.

É a eliminação do humano na conta final que me incomoda.
O que me importa se a média de consulta/hora/médico seja de 4 ou 20? O que interessa é que a pessoa que a ele recorre seja humana e tecnicamente bem tratada. O que importa que um espectador custe ao Estado 250 Euros e não 125? O que me interessa é se aquilo que viu/sentiu/viveu tem correspondência com um ser humano mais formado, mais consciente, culto e tolerante. E é justamente aí que encravamos: não há estatística possível para os afectos, para aquilo que nos proporciona um momento, uma palavra ou uma cor.
A Curva de Gauss não cabe naquilo que partilho, desejo ou acredito.

Quando Miguel Lobo Antunes invoca a independência de espírito nas decisões que envolvem a criação, programação e produção de um teatro, a sensibilidade humana e os impulsos que envolvem todo o “embrulho de humanidade” do factor números e contas, percebo perfeitamente.

A humanidade está para lá do razoável. E ainda bem.

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