Não é um novo 25 de Abril. É o caminho para lá chegar
Ontem aconteceram duas coisas que me fizeram crer que as coisas podem mudar: a sentida emoção na primeira pessoa de todos os que são vítimas do maior embuste político e económico praticado nos tempos modernos. Vi lágrimas, vi gente a chorar ao som do hino nacional sem desporto ao fundo, vi idosos preocupados com os seus netos, jovens preocupados com aqueles cuja reforma já não dá para si nem para apoiar os seus, pais preocupados e encurralados entre o que podem e devem fazer. Vi um desespero silencioso, controlado mas visivelmente presente e um sentimento crescente de que as coisas acabarão por ser resolvidas a mal. Vi a polícia atuar com mais paciência que o habitual face as provocações.Não sei se por ordens recebidas ou se pela consciência de que, desta vez, estavam em franca minoria e um rastilho mal aceso poderia acabar muito mal. Ou talvez por também saberem que os que se manifestaram também são eles e que o destino de uns poderá ser o de outros, por mais facilidade que exista do governo cobrir de benesses as forças da ordem.
O que aconteceu é que a crise ganhou um rosto e uma voz. Quem sofre é meu vizinho, meu familiar, a pessoa no banco da frente no metro. Todos aqueles que se perguntam: "Mas o que fiz eu de errado? Onde foi que eu exagerei? O que é que, dos meus créditos se pode considerar um luxo? Porque, apesar de toda a formação que tive, apesar dos meus descontos desde os 11 anos de idade, apesar de todo o trabalho e experiência acumulada , empobrecem-me, desprezam-me, desempregam-me e não me aceitam se não for pelo mínimo possível e sem contrato?" Esta família de 8 milhões de pessoas que todos nós conhecemos aqui e acolá desfilaram. Não contra a Troika ou o Governo, não por nenhuma oposição ou organização. As pessoas manifestaram que são gente e como tal querem ser tratadas por quem quer que seja. Chegou o momento em que as pessoas estão a recuperar a dignidade e isso representa um enorme perigo para a falsa democracia vigente. Pode mesmo ser o fim desta falsidade fabricada, criada para nos odiarmos a nós mesmos.
A segunda coisa que me satisfez foi a reação popular a todos os políticos e congéneres que se aproximavam para serem entrevistados pela frenética e "piranhesca" cobertura televisiva. Insultavam-nos indiferentes a cor política, chamando a atenção dos jornaleiros (e nem quis ler os jornais hoje, temendo as ilações e apreciações que lá irão aparecer!) de que a manifestação era deles (o povo) e eles é que tinham de ser entrevistados (vi um senhor no Porto a chamar a atenção para este fato com toda a propriedade e vernáculo que tanto admiro nesta cidade!).
No fim de contas, secretamente, o povo sabe que este sistema político torna toda uma classe responsável por tudo o que se passa. Uma classe que se auto-protegeu, seguindo os bons instintos do corporativismo que supostamente derrubaram, que cobriram de benesses militares e para-militares (esquecendo os que deram a sua vida, saúde e juventude pela pátria, independentemente das boas ou más razões!) porque sabem que vão precisar de proteção para manter a sua impunidade, que mergulham na sua piscina de regalias durante e depois da sua participação política, humilhando o povo com reformados de luxo depois de 8 anos de "trabalho". Um pelotão de gente sempre a criar leis em seu próprio benefício ou em permanente troca de favores entre poder, patrões e sindicatos (alguns autenticas alcateias de malfeitores e de criminosos!).
Nas manifestações estiveram pessoas. São portugueses os que estavam na rua. O alentejano, o tripeiro e o alfacinha. Uns do Benfica outros do Porto ou do Beira-Mar. Muitos com muita instrução, outros tantos saberão apenas assinar o nome. Alguns muito jovens para perceber tudo aquilo que está em jogo, outros velhos demais para serem tratados como lixo. Muitos jovens, sem esperança, atrasando a vida. Esperando.
São as melhores pessoas que conheci.
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