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Se querem Ética procurem Diógenes



Andei à procura dela mas as palavras eram escuras como breu! Nem de lanterna se vê ponta de ética na coisa.
Vi apenas uma forma indistinta de sinalização burocrática (“É preciso que tudo fique escrito e seja claro, clarinho” entre médico, administração hospitalar e utente para o caso de alguém – presumimos o utente – queira consultar) e uma velada revelação de que tudo isso já se faz pelas piores razões algures no túnel do não regresso para onde a Troika nos arrasta.

Estes olhos alcatroados com que percorro um caminho de perigos, ouço apenas a lapidar frase da indigestão: “Nem todos podem ter acesso a tudo sempre…” mesmo se descontaram neste pressuposto? Mesmo que as suas vidas dependam disso e não de um enquadramento protocolar, entremeado de tabelas, gráficos e análises ponderais? Percebo o critério técnico, não percebo o critério ético e o pressuposto impositivo da Troika; percebo que o documento remete para o médico a leonina decisão da “poupança” mediante a pressão da administração hospitalar porque será, em última análise, o médico a ser processado, injuriado e desconsiderado no processo. Percebo a delicadeza do tema no que diz respeito a avaliação técnica dos fármacos mais ou menos eficazes (embora duvide que as multinacionais farmacêuticas não imporão os seus termos na aquisição de medicamentos) embora não conheça muita produção de genéricos nas áreas mais “sensíveis” (leia-se caras!) como o HIV, Cancro e outras doenças crónicas e incapacitantes onde a qualidade de vida depende de medicação perpétua.

E apesar de entender tudo isso, porque será que me angustia? Por saber que o “negócio” tem de ser passado às Seguradoras (reparei ontem que tenho dois seguros de saúde, ambos por obrigação. Um quando comprei a casa e tive de comprar uma série de serviços para poder “desbloquear” a questão; outro, no emprego. Continuo no meu SNS e a odiar consultórios privados, sempre com a sua limpeza alva e ineficiência parva!) e que o SNS tem de acabar, porque a gestão privada dos hospitais tem de inverter os obscenos prejuízos; porque a própria banca quer uma fatia do negócio apetitoso. É por estas razões que é “necessário ponderar do custo e benefício de mais dois meses de vida custarem ou não 50 mil Euros…

Acho que a raiva gerada pelas declarações de Miguel Oliveira da Silva é compreensível mas algo injusta. Trata-se de mais um problema de má comunicação de uma questão delicada e com um enorme descuido. Digamos que se não existisse entrevista ninguém leria o relatório.
Do pouco que sei, Norman Daniels (o filósofos-farol deste estudo) é um igualitarista cujos estudos e trabalho consultivo assenta em modelos de gestão privada de saúde, integrando regras éticas a um padrão de funcionamento de saúde abrangente (generalizada no termo saúde ajustada - health proper – perdoem-me a tradução). 

Mas essa abrangência ignora especificidades locais e culturais.
Daniels define um processo técnico e ético, ignorando um conjunto de elementos reais e específicos. Tal como ele próprio refere, trata-se de um processo que exclui a subjetividade histórica. Basta olhar para Portugal em 1950, 1980 e agora para perceber a virtude do SNS e a necessidade da sua continuidade.
Aqui temos, com Daniels, a legitimação de uma política económica e não um processo de regulação técnico. Aliás, o homem só é para aqui é chamado porque foi preciso dar resposta a uma evidência incontornável: o SNS tem de mudar de mãos de acordo com decisão da Troika.

Assim, o Conselho de Ética andou por aí a passear uma solução de contexto técnico para explicar o que politica e financeiramente se vai fazer: só isso e é por esta razão que o relatório ainda é mais macabro que a insipiência comunicacional do entrevistado.
A questão é cruel e nela procurou-se (erradamente) misturar-se a Eutanásia e o Testamento Vital que são coisas completamente distintas e nem sequer para aqui chamadas.
Prosaicamente o que aqui se passa é o quanto os hospitais podem poupar nas farmácias face às doenças crónicas que tem os medicamentos mais caros e como evitar ter de comprar os menos eficazes que os grandes laboratórios impingem e como vamos reduzir a carga de exames a esta malta que passa a vida a fazer análises.
Quanto à medicação sugiro que façam como o Brasil: copiem medicamentos e produzam genéricos implementando uma lei de patentes de produtos médicos que distinga o que é o tratamento de casos extremos à luz dos Direitos humanos. Era um rebuliço, mas se se pode copiar música à descarada não vejo porque é que os medicamentos não podem ser o “novo pop”!
No que diz respeito às análises, conto que a maioria dos médicos utilize o bom senso ao solicitar exames e que a frequência dos mesmos depende das características das doenças tratamentos. Estaremos pois a falar de um desvio residual de terapeutas que se excitam a ver TAC’s 3D? Da malta que curte ter o esqueleto em Raio X na parede da sala? O que é muito deste ponto de vista? O que sai mais em conta rastreio periódico à mama ou tratamento ao cancro da mesma?
Tecnicamente é muito difícil argumentar, mas o senso comum também dispõe de algumas virtudes e dizem-me que será temporário, apenas necessário para que se baixem o preço dos diferentes exames.

Em jeito de despedida, agradeço que se organizem quando quiserem comunicar um tema tão agreste e delicado. Os tempos são de colocar tudo e todos em causa. Com ou sem razão, aliás como tem feito os sucessivos Governos do PS/PSD em relação ao povo, à Função Pública, aos estudantes, a cultura, etc.…agora temos o reverso da medalha!

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