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Os irresponsáveis



1.Partidos: Até o início dos 80 os partidos foram elemento importante na formação ideológica, consolidação política da democracia e motor de algumas das mais importantes mudanças na forma de agir e pensar do povo.Aos poucos, com a consolidação do modelo burguês, a “profissionalização da atividade”, e a perceção de que o sistema político poderia ser um prolongamento /alternativa de trabalho entre o aventureirismo e o ócio, começaram a aproximar-se da política uma série de pessoas de valor duvidoso, não particularmente brilhantes mas com o incisivo faro dos sobreviventes, que tiraram um curso entre greves, absentismo elevado e aulas práticas de manobrismo maoísta. Estes sobreviventes começam a sentir a sedução da Europa, do galgar o mundo em expansão e o irresistível charme dos grupos económicos que dão forma ao hedonista que nestas criaturas mora.Os partidos vão perdendo adeptos na justa medida em que cada vez mais se tornam máquinas de colocação, criação de gangs especializados, esventrados na sua essência programática pelos consultórios de advogados, empresas de construção civil e lojas de interesses muito particulares que atravessam transversalmente as ideologias que entretanto já não existiam.Após a entrada na Europa, a orgia do dinheiro fácil é frenético. Nada melhor que a chegada de um país à Terra prometida! Um país inteiro, vibrando com o seu carro que atravessa a melhor e última autoestrada, a casa reluzente que deixamos neste imenso alcatrão, a caminho da outra, a de férias, algures no Sul.Os partidos deixam de ser um lugar de colocação e passam a central de interesses, onde circulam milhões e onde se fazem negócios que deveriam estar destinados às bolsas. Inebriados pelo perfume do Euro, vendem-se leis, acertam-se estudos, degrada-se o território, privatiza-se e destrói-se o que a democracia construiu. E encastelam-se os direitos de continuidade, de suserania e de família.A política agora é o reino exclusivo de ferozes comandos cujo ingresso obriga a deixar a alma pendurada no cabide da entrada. Nessa altura qualquer pessoa com um mínimo de ética nem passava à porta de um partido, quanto mais lá entrar, o que fez com que o nível dos quadros moral, intelectual e técnico entrasse numa derrapagem vertiginosa para ainda mais abaixo do Inferno.E então, sem mais nem porque, descobre-se que afinal teremos de pagar os desmandos de um mundo dourado que não o era! Claro que estes vendilhões instalados trataram rapidamente de remeter a culpa para o povo, seguindo os conselhos dos seus amos. Num comportamento de acólitos, informaram-nos que temos uma conta calada para pagar pelos “luxos” para os quais não tínhamos dinheiro mas que encomendamos. De repente, todos os plasmas, telemóveis, carros de gama baixa e pequenos apartamentos gigantescamente colocados em áreas isoladas, um a seguir ao outro, são uma ostentação! Ridiculamente sentimo-nos culpados e aceitamos o castigo de ter de ser espremido para pagar uma interminável cordilheira de comissões, fraudes, burlas, negociatas, dinheiro sujo em off-shores, submarinos, helicópteros e aviões, shopping no meio do nada e bancos que encheram os bolsos desta gente que de tão impronunciável faz o vomitado parecer atrativo! Os partidos, nos nossos dias, são o principal entrave a Democracia e sinceramente acho que passávamos bem sem eles. Chegou a hora da Cidadania organizada. 
2.Justiça: Sabemos que nas democracias burguesas, a justiça é um mecanismo de controlo social e de separação entre o “certo” e o “errado”, o “bom e o “mau”, etc. Todavia, mesmo aí, há um certo grau de justiça e equidade do qual é difícil escapar, admitindo que existe uma lei que nos protege a todos de forma igual. Claro que a lei pode ser melhor trabalhada em função do melhor representante legal que possamos contratar. E aí voltamos a desigualdade! E essa desigualdade revela-se ainda a um nível mais perverso: não é apenas uma questão de melhor advogado (todos eles equivalem-se mais ou menos em termos de formação, experiência, interesse. É possível, apenas pela qualidade intrínseca, obter um representante de qualidade a um custo razoável). A questão central é a que distâncias (o cliente e o seu advogado) se encontram do poder político, quem representam na área do poder económico e financeiro e qual o envolvimento específico do escritório com determinadas questões negociais.Este sim, é o verdadeiro separador das águas porque não envolve apenas a mera questão legal “mas toda a magistratura”.A Justiça é – também ela - uma central de administração de poder político! Só assim se explica a incapacidade de fazer prova, o constante obstáculo a investigação, a contratação de gente estranha para o Ministério Público, os constantes “bufos” de informação e contra-informação para a imprensa, a impossibilidade real, total e absoluta de se condenar um político em Portugal (a não ser que o ato de corrupção seja praticado às 8 da noite em direto e em pleno telejornal! E mesmo assim…). Só assim se explica a horrorosa quantidade de gente ligada a justiça no Parlamento, muitos deles vinculados aos escritórios onde se vão buscar pareceres obtusos para embrulhar uma lei imperfeita de forma a alguém usufruir da mesma ou dos erros e omissões nela contidos; só assim o Sr. Marinho Pinto pode ter o cargo que tem (coitado, à beira do desemprego deu-lhe para viajar!), um homem ao nível de Alberto João Jardim, atirando porcaria a tudo e todos quando mal sabe juntar duas letras para fazer uma crónica no jornal dos informantes do Sindicato da Guarda Prisional! Só assim se explica que uma procuradora (não sei se ela alguma vez achou alguma coisa!) diga que não há corrupção em Portugal e ficamos todos à espera que entre o Ricardo Araújo Pereira para completar a anedota! Só assim se critica a Policia Judiciária pela incúria investigativa ao mesmo tempo que se lhe retiram os meios, instalam o caos hierárquico e atiram agentes e serviços uns contra os outros. Só com este modelo de Justiça se percebe a constante prescrição do que não interessa julgar e ainda tem a distinta lata de serem corporativos e intocáveis. A justiça em Portugal andou o equivalente a 10 cm de ranho de lesma desde o 25 de Abril. Porque até mesmo a classe política tem muito cuidado nas mudanças do que quer que seja no reinado das magistraturas e em toda a incoerência deste aparelho desde o policial que tecla no PC duas letras por minuto até o Tribunal Constitucional que parece um catalogo das tintas CIN (mas bicolor apenas!). Não há mérito, não há vergonha e não há Justiça. 
3.Comunicação Social: Noutros tempos o simples fato de ler já era uma parte do combate à ditadura. Lia-se a imprensa para perceber as entrelinhas, os cortes e deduzir o que faltava; lia-se para perceber o que se passava através do que não estava na notícia. A televisão pouco contava na hora de obter informação: era ler e conversar no café, passar a palavra e receber clandestinamente jornais ilegais. Ouvir rádios estrangeiras no silêncio da noite.Depois, com a liberdade, surgiram as correntes de opinião, o jornalismo engajado e muitos novos bons jornalistas, independentemente das suas posições pessoais.Os jornais construíram a democracia e a opinião. Havia informação diversificada e mesmo a muita propaganda à mistura não diminuía o caudal de reflexões e ponderações possíveis de encontrar. As discussões, diferenças e crenças mantinham a dimensão vital das Democracias: o convívio das diferenças. E quando foi necessário arregimentar a nação contra abusos, lá estava a imprensa e o povo (como sempre!) a defender o país. A diversidade reinava e ninguém fazia fortuna com um jornal (hoje também não, mas a possibilidade de se sustentar por frete político é uma alternativa, como vimos no tempo de Sócrates!).Subitamente, o jornalismo “sério” foi substituído pela corrente entertainer. Alavancados pela televisão e pela rapidez de processos de transmissão de informação, o jornalismo passou a ser uma disputa de adolescentes, a ver quem era maior, mais rápido e atraia mais gente. A informação, a procura da verdade e a reflexão adquiriram um estatuto secundário. A notícia é o direto, o imediato, o cadáver a cair naquele momento. Os rostos também mudaram: passamos a ter iletrados giros a comandar emissão, jornalismo instantâneo e a seriedade tornou-se aborrecida. O mercado da notícia disputava agora o mesmo share do teatro de revista.E quando damos conta, em Portugal, 3 grupos económicos tem 90% da imprensa publicada e 75% dos canais televisivos e o que existia de jornalismo foi substituído por algo muito estranho: a desconstrução da realidade para a transformar ou numa fantasia arrepiante ou num pesadelo desejado. Os meios de comunicação começaram a brincar com a mente do público. Instigação do medo, do ódio, paralisia da ação, descrença, entorpecimento e derrota e a venda do conceito da total impossibilidade de mudança: xeque-mate!O que hoje se reproduz nem sequer ideológico é: trata-se de uma pasta de desorientação e alheamento com que se borra a face das pessoas que, no final do dia de trabalho, sem esperança, sem dinheiro e sem crença, divide-se entre o medo por si e pelos seus e um ódio permanentemente recalcado. E esta angústia busca o escape, o futebol, o ideal de uma juventude que se escapa, de uma felicidade que nos querem a todo custo impingir como o caminho primordial que devemos procurar (como o soma de Huxley!) e com a imortalidade à porta, a qualquer momento descoberta.Toda esta letargia, um dia, descambará numa catarse, um festim de mortos-vivos a cortar cabeças na mais tribal e definitiva violência. Mas, mesmo aí. Lá estarão os repórteres no local com os seus auriculares, atrás de quem se prestar a falar com eles, com o pivot em estúdio a rodar a emissão para o outro lado onde se poderá apreciar o genocídio em direto, a par da notícia da romena que é campeã de ginástica rítmico aos 90 anos!Falta saber se alguém estará a ver. 
4.Nós: Poderia ter chamado de povo, “eles” mas resolvi incluir-me porque, de fato, somos nós todos os descrentes e uma das razões da descrença. Somos o óbvio motor que põe esta máquina louca a funcionar sem nunca querer o volante. Deixamo-nos conduzir por este táxi que, de conversa em conversa, leva-nos por caminhos que não queremos cruzar, numa viagem que era suposto ser pequena.A determinada altura quem não lutava, sofria e os que lutavam sofriam duplamente. Nós sofremos desde os tempos em que era preciso construir caravelas, apascentar rebanhos de outros ou cultivar as terras de outros. Nunca soubemos porque eram “dos outros”. Quando crescemos um bocadinho para começar a perguntar, começamos a morrer. A sofrer e a lutar. Quando nos tiraram a enxada e nos deram uma chave inglesa, ficamos alegres por ir para as cidades e depois muito tristes por estar nas cidades a colecionar doenças, comprimidos uns contra os outros. E depois perguntamos porque e começamos a sofrer e a lutar.Fomos lutando e conquistando o direito a deixar de lutar e fomos crendo que chegaria o momento do descanso, de que apenas teríamos, daqui para a frente, de fazer pequenos ajustamentos e até poderíamos estar lado a lado com aqueles que nos fizeram levantar tantas questões.Fomos criando estruturas e cargos ascendentes que se transformam em Babéis para os que vão ficando mais lá em baixo, torres intermináveis que supostamente nos representam mas que de fato vivem no rarefeito ar de quem apenas vê as formigas que se cruzam num chão distante.Num ápice vimo-nos sós. E quando íamos começar novamente a pensar e sofrer, enfiaram-nos num bordel cheio de ebriedade, lantejoulas e seduções. Julgamo-nos finalmente no paraíso, no recôndito lugar onde se ocultavam os donos das terras, das fábricas e das finanças. Afinal era este o paraíso prometido e que nos negavam! Agora éramos “europeus”, pertencíamos a casta mística dos povos superiores que olhavam para o 3º mundo entre o paternalismo e a recriminação, que riamos nas costas dos Estados Unidos por, sozinhos, quererem implantar o “seu” modelo no mundo à força de armas e cultura pop. Dávamos pancadinhas nas costas deste “amigo” que odiamos, apoiávamos na retórica e achávamos que eram uns coitadinhos sem cultura “porque não percebiam os povos” que colonizáramos e exploráramos há centenas de anos!Tínhamos coisas, já podíamos ser cínicos!Subitamente inventam uma guerra, uma crise e nós, impreparados, somos expulsos do bordel, atirados para a sarjeta, cambaleantes e impotentes.Gordos e desesperados, procuramos nas torres que nos representam, em todos os que confiamos, em todos os que nos deram 30 dinheiros, respostas. Não está lá ninguém, apenas uns mangas-de-alpaca dos usurários que nos dizem que teremos de voltar a usar uma parra para tapar as partes mas que para obtê-la temos de voltar aos campos dos outros, às fábricas dos outros e disputar o lugar com milhões de outros nus de muitos outros lados que são capazes de fazer o trabalho por uma parra menor.Adormecemos e agora odiamos o que os nossos avós conquistaram porque não o soubemos manter. E agora já não sabemos sofrer. Vamos ter de reaprender a lutar e recomeçar, sabendo que só há um caminho: aquele que agora não acreditamos.Nós temos de recomeçar.

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