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As três etapas da diplomacia com o Irão

Obama, no seu tecnológico estilo, deixou uma mensagem de aproximação ao Irão.
Uma mensagem culturalmente capaz, inteligente, de reconhecimento da relevância cultural do país (e por inferência do mundo árabe) sem deixar de dar a entender que não abdicava das posições e crenças do seu país.
Para quem estava habituado ao estilo Bush (ou seja, a ausência de estilo) é um progresso assinalável.
No entanto, como já o tinha referido em posts anteriores, o processo de normalização das relações americanas depende mais dos actos do que de palavras.
Historicamente, o Irão tem todas as razões para desconfiar do Ocidente e dos americanos em particular. O Imperialismo emergente do pós-guerra e o tão necessário petróleo ditaram uma politica de subversão ao regime iraniano desde a queda de Mohammad Reza Pahlavi.
Tentaram usar uma estratégia semelhante ao processo saudita – onde bastou seduzir e corromper uma família que impõe com mão de ferro um regime cruel acolitado num sistema quase feudal de dependências – naquela que será uma das piores ditaduras modernas ainda alicerçadas no pós-guerra.
Não contaram com a diversidade intelectual do povo iraniano e o facto deste deter uma massa critica burguesa estabelecida e uma visão cordata e não anti-ocidental. Foi o Ocidente que hipotecou as hipóteses deste país seguir um registo democrático estável.
Mais uma vez, o Ocidente empurrou uma nação para os braços do radicalismo islâmico.
Com o ambiente de desconfiança de mais de 50 anos não é à toa que se desejem mais actos que palavras. E esses actos são complexos e exigem uma revisão geral do mundo árabe à luz de uma realidade indesmentível: o Irão terá de ser considerado a curto prazo um parceiro do clube nuclear.
O facto do sistema político não ser laico não nos permite grande conforto mas é justamente por este motivo que a diplomacia tem de acelerar o passo no sentido de uma aproximação efectiva.
Se o Ocidente não promover as condições para o aparecimento de líderes iranianos equidistantes da religião e apoiados pelo povo, apenas conseguiremos cavar mais fundo a distância entre os dois lados do mundo.
Evitar que o Irão detenha conhecimento nuclear não pode ser visto como uma ameaça por si só; inúmeros governantes da antiga União Soviética (e actual Rússia) e alguns presidentes americanos eram suficientemente inconstantes para terem nas suas mãos tamanho arsenal.
Resta agora um caminho político muito longo, que obrigará ao cumprimento de etapas difíceis e que assentará em três aspectos específicos onde o Irão pretende ver mudanças:

Atitude Ocidental face ao problema palestiniano e a Israel: será inevitável o reconhecimento efectivo da Palestina e a travagem do expansionismo sionista. É a condição de base para todo e qualquer diálogo entre o Ocidente e o mundo árabe. Há muito que o problema do terrorismo estaria estrangulado se esta questão não fosse negligenciada.

O papel central do Irão no mundo árabe: Trata-se da nação mais estável politicamente, do Estado mais credível e de um interlocutor de excelência. As possíveis ligações ao terrorismo ou ao seu financiamento devem-se ao espaço que a religião possui junto ao Estado.
Não há no mundo árabe governo mais próximo dos modelos democráticos (à excepção da Turquia que poderia constituir-se como a ponte diplomática na aproximação ao Irão) e que, no somatório das suas contradições entre a emergência de um mundo moderno e a religião, acaba por ser exemplar.
Não pode pois ser tratado como um pais fantoche como a Arábia Saudita ou um mundo caótico como o Paquistão.
A chave para a estabilização entre o Ocidente e Oriente passa por aqui.

Direito de defesa : a desconfiança do Islão em relação ao Ocidente tem todo o sentido: desde a colonização, o Imperialismo e o abuso dos seus recursos cavaram um afastamento cuja consciência formal se fez por via da rebelião que, aproveitada pela especulação religiosa, redundou no terrorismo e no financiamento de actividades de combate ao Ocidente de uma forma generalizada.
Este exército que é um povo subjugado a séculos de provações, incompreensões e desrespeito conta com um número interminável de guerreiros. Apenas um genocídio pode eliminar a resistência do mundo árabe e toda a confrontação directa, do ponto de vista militar, é uma tarefa sempre incompleta e de duração relativa (o Iraque, daqui a algumas décadas voltará aos mesmos problemas que levaram a invasão, ou seja: apagar as marcas deixadas pelo aproveitamento e apoio do Ocidente na manutenção de um tirano e assegurar para si as fontes energéticas e criar uma base logística para próximas guerras).
A legitimidade do Irão em não querer americanos no mundo árabe é a mesma da crise dos mísseis e não é pelas nossas pobres democracias que se justifica a razoabilidade e diferença de perspectiva.

Obama terá de fazer um trajecto longo como saberá. De Washington a Meca são muitos passos.

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