Quando for velho vou continuar a ser velho - Um grupo de bitaites reflexivos sobre o aumento da idade da reforma
I
Um cidadão (porque todos o somos) de 18 anos assalta à mão armada um banco. Mata um dos reféns e é capturado após ousada perseguição policial. Depois da sentença, apanha 25 anos (se for iniludível que o disparo não foi acidental, que o carro que roubou na fuga tinha problemas de travões. Se tivermos estes desideratos poderá ficar-se pelos 15/20 anos de pena). Ao fim de 20 retoma a liberdade com 38 anos. Pode reiniciar este excitante vida ou seguir outro caminho.
Um jovem de 18 anos inicia a sua vida activa e se tiver sorte quando chega aos 67 anos, tendo cumprido 49 anos de vida entre baixos rendimentos, incoerência gestionária, falta de reconhecimento e chatices várias chega à conclusão que devia ter conhecido o primeiro exemplo.
II
Gostava de me reformar em vida, apto mentalmente e sem grandes mazelas físicas. Aceito a idade e a falência de algum vigor, não tenho problemas nem com a idade nem com a morte.
Gostava de dedicar o meu tempo (sim, porque é o tempo e não o dinheiro que condiciona as nossas vidas) a quem precisa. Ser voluntário a tempo inteiro numa causa e num lugar.
Acredito que a partir de uma determinada idade certos devaneios de propriedade desapareçam: um canto limpo e asseado, refeições efectuadas com calma e tempo (cá está ele outra vez!) e a companhia da minha velha, a quem certamente darei mais atenção e tempo na recta final das nossas vidas (não serei um velho rabugento com o prometido Viagra de 3ª Geração!).
Vamos fazer o que mais gostamos: tomar café numa esplanada em frente ao mar com montes de jornais e livros que trocamos e lemos um para o outro. Depois, passear de mão dada a falar do que importa nas nossas vidas: os filhos (talvez netos), os anos que ela perdeu a tentar que eu baixasse o tampo da sanita.
Para tudo isso, gostava de ter tempo.
III
Daqui a uma década sairá uma noticia sobre a perda de produtividade das empresas, o aumento das baixas por doença, a necessidade dos trabalhadores suportarem os seus custos com o seguro de saúde, a maçada que é investir na implantação de Centros de Saúde em fabricas com mais de 300 trabalhadores.
Haverá debates televisivos sobre a incapacidade dos jovens ingressarem no mercado de trabalho e na inconveniência que representa as mortes em posto de trabalho.
IV
Tenho insistido neste blog sobre a perda do Trabalho enquanto um valor fundamental na sociedade, na importância deste representar não apenas uma forma de sustento mas de manutenção da dignidade e coerência de uma estrutura, de que o valor da produtividade/lucro/desenvolvimento deve ser secundarizada em relação a outros valores como a distribuição equitativa/ a satisfação humana de pertencer a algo com sentido (o que exclui basicamente a existência do sector financeiro) / contributo para o bem comum.
Um novo mundo deve ter novas lógicas e eliminar o dogma de que as utopias são absolutamente inviáveis: crescimento, acumulação e riqueza são conceitos com 200 anos e não cabem num mundo em fim de viagem. Ao menos, acabemos com dignidade.
V
E o meu filho mais novo de 47 anos, o que ainda vive em casa perguntou-me se podia tirar o Cartão Jovem.
VI
Há duas profissões que não tem fim, das quais não nos separamos nunca. Agricultor e Escritor. A enxada e a caneta estão sempre à mão. Para estes não há regras de Estado, interesses instalados de poderosos que querem convencer-nos com números de irrealidades que temos de trabalhar os anos que for.
A terra, no seu tempo tem de ser tratada e estimada. E há paixão e prazer nas coisas que crescem. Com a escrita, o mesmo processo.
VII
A Ciência aponta para uma melhoria de qualidade de vida com o avançar da idade. Novos medicamentos e conhecimentos vão manter-nos saudáveis por mais tempo, sem as perdas e as dores do tempo.
Há quem acene com a descodificação de genes do processo de envelhecimento e das terríveis doenças que acompanham a nossa vida.
Acho muito bem, mas a pergunta impõem-se: se não quiser tratar-me corro o risco de perder o emprego?
VIII
Porque se conta a idade e não o tempo de descontos? Porque os tempos de reforma não são diferenciados para classes/profissões/pessoas em função da sua vida?
Porque uma mãe solteira com dois filhos tem de se reformar na mesma idade de um gerente bancário?
Porque uma pessoa com o OMN tem de se reformar com a mesma idade de um profissional de seguros?
Porque as reformas, em vez de se dispersarem por uma contabilidade absurda e enganosa, não se fixa em 3 escalões (cujo valor mais baixo o Ordenado Mínimo Nacional e o mais alto 5 vezes esta base)? Porque se permitem acumulações de reformas?
Enfim, porque é que o ónus de tudo recai sempre sobre os mesmos?
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