Há um fenómeno curioso em Portugal e que é um factor de sofrimento e depressão: a angústia de não haver uma roupinha que assente bem no corpo.
Há outro fenómeno curioso em Portugal, também este factor de incomodidade e sofrimento: não haver ideologia ou coerência político-partidária que nos permita alinhar por um partido.
Ambos têm as mesmas explicações, isto é, parecem tratar do mesmo problema. Mas porque raio de ideia uma coisa acaba por ter a ver com a outra! Se calhar a globalização e a normalização também é isso: vestuário e política assumem os mesmos contornos e enfrentam as mesmas dificuldades, senão vejamos:
Em primeiro lugar, imagine-se numa loja de pronto-a-vestir, a escolher um par de calças, uma camisa e uns sapatos.
Tentamos que todos combinem de alguma forma, quer em estilo, quer em cor, enfim que haja uma coerência na escolha. Aí começam os problemas.
Pedimos umas calças mais modernas e a menina (o) traz umas à boca-de-sino, muito ao jeito dos meus 13 anos.
Não vestimos.
Sentimo-nos ridículos com este revival dos 13 anos. Então pedimos uma coisa mais clássica. Aparecem-nos umas com pregas, a afunilar.
Não gostamos.
Vagueamos pela loja à procura do milagre de encontrar um compromisso entre a modernidade e a seriedade necessária.
Mas o que encontramos é objecto de uma dualidade de formas que não nos descansa: ganga com remendos ou cortes, algodão clássico com fechos em todo o lado, moçambicanas com velcro.
É o caos instalado! Falta-nos um modelo de referência !
Nada nos faz acreditar que aquelas calças reflectirão o nosso ser.
Já temos três ou quatro pares na mão para experimentar, vencidos.
Só que esta etapa é o princípio de todos os problemas!
Pedimos à atenciosa menina que nos arranje o tamanho adequado.
Não há.
Deste tamanho só noutra cor! Pedimos, mais por desespero do que por convicção, que nos traga o que houver.
Enquanto a menina vai ao armazém, continuamos a nossa saga, desta vez em demanda de uma camisa…mas qual? Para além dos problemas anteriores, confrontamo-nos com o facto de não saber em que registo virão as calças! Não havendo clarificação, as escolhas não obedecem a qualquer critério!
Escolhemos dois ou três modelos, cada um em duas cores para que, no meio desta diversidade , encontremos uma identidade.
A menina regressa com dois modelos que não pedimos, quatro cores que não vimos tudo em dois tamanhos diferentes porque as calças são feitas na China ou Paquistão e as etiquetas dos números por vezes não correspondem ao número de cintura!
Munido de já não sei quantas peças enfio-me no gabinete de provas. A roupa cola ao corpo suado de tanto stresse e música de discoteca.
Umas peças servem mas não ficam bem. Outras não servem mas até que não eram feias. Quando arranjo duas que servem, não ficam bem juntas.
Esta falta de racionalidade começa a enervar.
Munido de uma rodilha de roupa, etiquetas que caíram, alfinetes e cabides, deposito tudo nas mãos da menina e digo que vou pensar melhor.
Saio do sufoco da loja, de mãos vazias, em parte aliviado por não trazer nada, em parte a ralhar comigo por ser tão gordo!
Saio incomodado por não ter traduzido o esforço em resultados, o ter de me confrontar com outra loja e os mesmos problemas e uma imensa vontade de nunca abandonar as calças de ganga e T-Shirts e um casaco multibolsos!
Temporariamente livre do têxtil, sento-me no café e passo a pensar nas ideologias que os partidos não têm.
Abandonaram-nas.
O fim de uma linha de pensamento provocou um marasmo casuístico no discurso, um populismo de pacotilha regido pelo momento social e por oposição gratuita.
Desprovido de defesa, o cidadão confronta-se com fenómenos curiosos como o discurso da protecção social na boca de liberais ou mais à direita, a defesa do capitalismo mais brega na boca de socialistas, históricos de partidos a contradizer as suas práticas enquanto foram governantes, enfim, um delírio!
A falta de coerência do discurso político não é, por si só, um factor de incomodidade: faz parte da evolução do real ao que o homem se adapta.
O que custa mesmo é que o compromisso programático seja falseado a cada eleição a troco de um desejo de poder.
A falta que faz o modelo de referência é notório em alguns programas e planos de intenção.
O afastamento do cidadão da política partidária tem a ver justamente com isso: a incapacidade de ter e manter uma ética que suporte a sua ideia politica e intervenção! A ausência de coerência leva a que não se desenvolva uma convicção em relação ao conjunto dos princípios. Sem clarificação não há identidade , mas sim esta incomodidade latente que nos faz nem querer ouvi-los, vê-los ou votá-los!
Tudo porque o afastamento da racionalidade da vida partidária leva o cidadão com capacidade de intervenção a preencher o seu vazio junto de grupos de intervenção e consciência social (seja solidariedade social, ambiente, profissional) onde encontram um critério e um sentido objectivo para a participação.
Mas talvez seja este o sentido das coisas. Depois do fim da história e das ideologias virá o fim dos partidos, substituídos por uma diversidade de grupos de interesse e intervenção devidamente "lobizados" com opiniões e objectivos tão diversos e amplos, que ninguém será capaz de unificar porque os partidos, enquanto estrutura politica unificadora, morreram deixando o poder sabe lá Deus a quem!
Vinhas
Há outro fenómeno curioso em Portugal, também este factor de incomodidade e sofrimento: não haver ideologia ou coerência político-partidária que nos permita alinhar por um partido.
Ambos têm as mesmas explicações, isto é, parecem tratar do mesmo problema. Mas porque raio de ideia uma coisa acaba por ter a ver com a outra! Se calhar a globalização e a normalização também é isso: vestuário e política assumem os mesmos contornos e enfrentam as mesmas dificuldades, senão vejamos:
Em primeiro lugar, imagine-se numa loja de pronto-a-vestir, a escolher um par de calças, uma camisa e uns sapatos.
Tentamos que todos combinem de alguma forma, quer em estilo, quer em cor, enfim que haja uma coerência na escolha. Aí começam os problemas.
Pedimos umas calças mais modernas e a menina (o) traz umas à boca-de-sino, muito ao jeito dos meus 13 anos.
Não vestimos.
Sentimo-nos ridículos com este revival dos 13 anos. Então pedimos uma coisa mais clássica. Aparecem-nos umas com pregas, a afunilar.
Não gostamos.
Vagueamos pela loja à procura do milagre de encontrar um compromisso entre a modernidade e a seriedade necessária.
Mas o que encontramos é objecto de uma dualidade de formas que não nos descansa: ganga com remendos ou cortes, algodão clássico com fechos em todo o lado, moçambicanas com velcro.
É o caos instalado! Falta-nos um modelo de referência !
Nada nos faz acreditar que aquelas calças reflectirão o nosso ser.
Já temos três ou quatro pares na mão para experimentar, vencidos.
Só que esta etapa é o princípio de todos os problemas!
Pedimos à atenciosa menina que nos arranje o tamanho adequado.
Não há.
Deste tamanho só noutra cor! Pedimos, mais por desespero do que por convicção, que nos traga o que houver.
Enquanto a menina vai ao armazém, continuamos a nossa saga, desta vez em demanda de uma camisa…mas qual? Para além dos problemas anteriores, confrontamo-nos com o facto de não saber em que registo virão as calças! Não havendo clarificação, as escolhas não obedecem a qualquer critério!
Escolhemos dois ou três modelos, cada um em duas cores para que, no meio desta diversidade , encontremos uma identidade.
A menina regressa com dois modelos que não pedimos, quatro cores que não vimos tudo em dois tamanhos diferentes porque as calças são feitas na China ou Paquistão e as etiquetas dos números por vezes não correspondem ao número de cintura!
Munido de já não sei quantas peças enfio-me no gabinete de provas. A roupa cola ao corpo suado de tanto stresse e música de discoteca.
Umas peças servem mas não ficam bem. Outras não servem mas até que não eram feias. Quando arranjo duas que servem, não ficam bem juntas.
Esta falta de racionalidade começa a enervar.
Munido de uma rodilha de roupa, etiquetas que caíram, alfinetes e cabides, deposito tudo nas mãos da menina e digo que vou pensar melhor.
Saio do sufoco da loja, de mãos vazias, em parte aliviado por não trazer nada, em parte a ralhar comigo por ser tão gordo!
Saio incomodado por não ter traduzido o esforço em resultados, o ter de me confrontar com outra loja e os mesmos problemas e uma imensa vontade de nunca abandonar as calças de ganga e T-Shirts e um casaco multibolsos!
Temporariamente livre do têxtil, sento-me no café e passo a pensar nas ideologias que os partidos não têm.
Abandonaram-nas.
O fim de uma linha de pensamento provocou um marasmo casuístico no discurso, um populismo de pacotilha regido pelo momento social e por oposição gratuita.
Desprovido de defesa, o cidadão confronta-se com fenómenos curiosos como o discurso da protecção social na boca de liberais ou mais à direita, a defesa do capitalismo mais brega na boca de socialistas, históricos de partidos a contradizer as suas práticas enquanto foram governantes, enfim, um delírio!
A falta de coerência do discurso político não é, por si só, um factor de incomodidade: faz parte da evolução do real ao que o homem se adapta.
O que custa mesmo é que o compromisso programático seja falseado a cada eleição a troco de um desejo de poder.
A falta que faz o modelo de referência é notório em alguns programas e planos de intenção.
O afastamento do cidadão da política partidária tem a ver justamente com isso: a incapacidade de ter e manter uma ética que suporte a sua ideia politica e intervenção! A ausência de coerência leva a que não se desenvolva uma convicção em relação ao conjunto dos princípios. Sem clarificação não há identidade , mas sim esta incomodidade latente que nos faz nem querer ouvi-los, vê-los ou votá-los!
Tudo porque o afastamento da racionalidade da vida partidária leva o cidadão com capacidade de intervenção a preencher o seu vazio junto de grupos de intervenção e consciência social (seja solidariedade social, ambiente, profissional) onde encontram um critério e um sentido objectivo para a participação.
Mas talvez seja este o sentido das coisas. Depois do fim da história e das ideologias virá o fim dos partidos, substituídos por uma diversidade de grupos de interesse e intervenção devidamente "lobizados" com opiniões e objectivos tão diversos e amplos, que ninguém será capaz de unificar porque os partidos, enquanto estrutura politica unificadora, morreram deixando o poder sabe lá Deus a quem!
Vinhas
Comentários
Se calhar é por isso que suo tanto para votar como para renovar o guarda-roupa...
A reflexão está como a gente se sente!
Mas não desesperes:
Veste-te no El Corte Inglês que ao menos tem todos os estilos sem sair da mesma loja.
Relativamente aos Partidos, tem fé:
Do cáus nasce sempre a harmonia.
Jony P'