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Os protagonistas

O verdadeiro problema do ensino é a distância entre a educação e a sociedade, entre o mundo escolar e o mundo onde as pessoas vivem, entre as intenções e objectivos do Estado e o real papel da educação no contexto do mundo actual. E a culpa não é um exclusivo dos professores: todos os envolvidos (Estado, Encarregados de Educação e Alunos) tem responsabilidades.
Muitas e graves.
A demissão do Estado
A escola é vítima e simultaneamente promotora de muitos dos desencontros e desigualdades da sociedade.
As políticas de educação dos últimos 30 anos correram atrás de falsas questões e iludiram o verdadeiro problema: o sistema não tem uma resposta homogénea para tantos formandos, para ensino igual e gratuito e pior que tudo: não há saídas profissionais para todos os que frequentam a escola.
O Estado cria politicas de aproximação à média europeia pela via estatística, é obrigado a aumentar a escolaridade obrigatória e melhorar administrativamente os resultados escolares. Ou seja, faz progredir em frequência, regredir em saber e retardar a entrada num mercado de trabalho inexistente.
A esta incoerência soma-se a vontade que o Estado tem de se demitir da Educação (como da saúde e outras áreas sociais que justificam a sua existência: são áreas de insatisfação e serão sempre! São serviços prestados ao cidadão. A ideia peregrina de passa-los a entidades privadas procurando maior benefício público e menores custos, é coisa que, como se vê, não resulta).
De resto, esta mítica invenção política de que os serviços públicos tem de ser "rentáveis", mesmo que a custo do serviço que prestam deixou de ser um argumento desde que regressaram as nacionalizações…
O corporativismo da classe
Há muito que a classe docente tem beneficiado da incapacidade do Estado de gerir a escola. Durante décadas e no sentido de captar e fidelizar o voto das classes profissionais, desenvolveu-se uma demissão de controlo e avaliação das classes corporativas. O único problema da classe era a colocação. Apesar disso, não me recordo de haver tanta mobilização de classe por causa dos seus colegas sujeitos a andar de terra em terra.
Esta acomodação reflecte-se no laxismo de aceitar este sistema de progressão temporal para subir de escalão, de escolha horários que libertem os dias concomitantes aos fins de semana ou um dos períodos do dia, levou a que a palavra avaliação ganhasse uma proporção desmesurada. Perante a contingência de serem submetidos a escrutínio, é vê-los todos na rua, a clamar injustiça.
E durante 30 anos assobiaram para o lado enquanto o ensino e a escola rebentavam com as mudanças que se verificavam na estrutura social. Daí que as escolas actualmente tenham o valor e a seriedade que tem e que sejam os próprios autores da inércia a pagar pela ruína do sistema.
Os pais protectivos
Não sendo um termo luso (protetivos é um vocábulo mais brasileiro que tomei a liberdade de adaptar) mas serve para expressar a atitudes das famílias relativamente ao problema da educação.
Pasmo como há famílias que não queiram que os filhos sejam avaliados, que concordem com avanços automáticos e desregulados na "carreira" de aluno (e o termo carreira não augura nada de bom…); não consigo perceber em que é que um "chumbo" debilita a vida do aluno e como podem concordar com um falso sucesso escolar.
Há muito que os pais deixaram de lado a formação. A escola passou a ter de responder como um prolongamento dos OTL para jovens MTV e amorangados, formatados a uma imagem de deslumbramento parvo e entregues a si próprios.
Evidentemente reconheço que para muitos pais, não há alternativas de ocupação para além da escola. Para estes, a escola deveria organizar-se no sentido de ser mais qualquer coisa do que tempos lectivos. Mas será que isso é uma tarefa exclusiva da instituição, do Estado e professores? Julgo que não.
Mas os pais aterram na quimera de que, protegendo os filhos com mais tempo escolar estão "vigiados" e "ocupados"; se apoiarem as passagens automáticas só terão que se confrontar mais tarde com a ausência de saídas profissionais; se apoiarem sistemas de faltas laxistas e criticarem indiscriminadamente os outros (os seus parceiros) passam a mensagem da cultura da irresponsabilidade para as próximas gerações.
Os filhos da nação
Serão os jovens apenas vítimas de todo este sistema de hesitações e demissões? Sim e não.
A sociedade actual teima em mantê-los apáticos, anómicos e alheados do seu próprio destino. Destruído que está o conceito de Trabalho enquanto actividade que valoriza e dignifica o ser humano, passando a uma função utilitária recíproca do tipo eu faço/tu pagas (daí não ser estranho os nomes associados ao trabalho como "bico", "gancho", "tacho", etc.), e também a crença num Futuro mais fácil, onde o jovem ver-se-ia reconhecido e protagonista de um mundo melhor, resta aos jovens mobilizarem-se como parceiros sociais.
Uma sólida formação académica não garante emprego (pelo contrário, às vezes até atrapalha!).
E o interessante disso é que, formalmente, os alunos actuais até poderão ser melhores do que os dos anos 80. Tem maior acesso à informação, o Inglês é uma espécie de 2ª língua mãe, os equipamentos são infinitamente melhores do que a 30 anos atrás para não falar sequer das condições de vida.
Por outro lado, nunca se metem "nestas coisas da política", aparentam um vazio participativo e adoptam posturas de subcultura marginal, de radical corte com a realidade, basista, violenta e material. Não se trata de uma atitude "desta" geração mas sim de um processo que se inicia nos anos 80.
E é justamente aí que radica a parte da responsabilização dos jovens: se os adultos não lhes dão nada, construam-no; se a escola vos prepara para um desemprego certo, exijam escolas inclusivas, ligadas ao mercado de trabalho, as universidades, a centros de saber, etc. Se não conseguem perceber quão importante é este momento, o de frequentar um local que nos pode dar algo, pouco que seja, então sim, serão uma geração perdida.
O papel da instituição
Deixei para o fim o papel da Escola propositadamente.
Vítima de uma multiplicidade de erros, o espaço escola perdeu relevância.
Longe vai o tempo em que o Saber se identificava com a estrutura. E a Escola não muda se os actores não mudarem.
A Escola não é um conjunto de salas de aula. É o espaço onde vivemos (bairro, cidade, mundo). O saber específico não tem qualquer efeito prático se formos sempre os mesmos arrogantes, mesquinhos e pobres seres à conquista de dinheiro e paz, ignorando que a incomodidade não assumida é a incomodidade com que vamos dar mais à frente.
Se não aprendermos valores, se não conquistarmos o espaço de uma nova mentalidade, de pouco ou nada serve os quadros interactivos, os Magalhães, etc.
A Escola, mais do que Matemática ou Educação Visual deve formar cidadãos, daqueles que sabem que tem direitos e deveres, uma Constituição, Leis e valores.
Deve formar homens que descubram os Direitos Humanos, que aprendam que a sua intervenção, mesmo que seja enviar um simples postal proposto pela Amnistia Internacional, conta.
Deve ser um espaço em que os alunos aprendam a orgulhar-se do seu país sem perder o sentido crítico da sua História, devem descobrir a importância da preservação ambiental e paisagística e a sua difícil relação com a economia. Devem aprender contradições, diferenças e opções, um espaço de esperança, de ajuda e de construção humana e não uma estação de tratamento de resíduos de informação científica.
Ensinar a Ser e a Pensar são talvez as mais difíceis tarefas que se podem pedir a um professor. Debitar matéria de um programa é simples, difícil e motivar e fazer entender o porque aquilo é necessário.
Uma parte do tempo escolar deveria ser passado na rua, nas empresas, em hospitais, em trabalho efectivo, enfim na realidade quotidiana; outra, ser usado no ensino da cidadania e só depois à formação académica propriamente dita, no ensino da investigação e pesquisa.
A Escola é um espaço de construção. Deve afirmar-se naquilo que as sociedades precisam e não repetir e evidenciar os erros de que enfermam os seus actores a quem se pede que de uma forma adulta (leia-se bom exemplo para os jovens) se tornem responsáveis, úteis e que deixem a mesquinhez em que foram criados num canto obscuro das suas frustrações.
Os alunos deveriam ser ocupados na reabilitação da Escola (contando o serviço cívico para a nota), na colaboração estreita com IPSS's, reciclar a velhinha ideia do Desporto Escolar, aproveitando as estruturas dos clubes de bairro que estão a fechar, transformando-os em clubes-formação para responder a necessidades de grupos de escolas, evitando ao mesmo tempo que a sua falência represente a construção de um novo shopping para o qual os jovens vão vegetar…
Uma escola não é um prédio com campainha; a Escola hoje está toda fora do espaço físico e todos tem responsabilidades e papéis a cumprir.

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