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Onde é que os media querem chegar

Espantosamente, estas últimas semanas fizeram a ressurreição da “silly season” no panorama da imprensa, uma espécie de perpetuação do gelado sobre a castanha.

Por hábito não comento estes assuntos, mas o facto de terem ocorrido em cascata e acabarem com uma relevância desproporcionada à sua dimensão, leva a uma outra preocupação: a da morte do jornalismo e o aparecimento da “imprensa-flash”.

A transformação da notícia num concurso televisivo, num evento súbito e dramático ou no levantamento de polémicas ocas, aproximando o entretimento da notícia, afastando a realidade da ficção, a identidade do anonimato.

Esta representação virtual dos factos e não-factos, da encenação da problemática tem um objectivo: tornar interessante o entediante e comprometer ideologicamente o público por uma vertente emocional e não racional. As razões são muitas e variadas. E profundas.

Com o fim do jornal da TVI abriu-se uma cratera na dimensão do entretimento que outros agora tentam preencher.

Os três casos sensíveis destas duas últimas semanas demonstram que o jornalismo começa a perder sentido e que uma nova classe de gestores de movimentos emocionais entra pela casa do cidadão, incitando-o a partidarizar sem reflectir.

Os casos até têm contornos ridículos e expõe cruelmente o estado de formação humana das sociedades.

Maitê Proença: A partir de um vídeo caseiro para um suposto programa feminino que incide sobre as impressões da artista nas suas visitas a diferentes países feito a dois anos atrás, um sem número de defensores da nação agitaram a sociedade com a sua indignação e retórica.

Pergunta: porque agora? O vídeo tem dois anos, já passou em Portugal em transmissão por cabo. Porque é que em 2007 éramos menos nacionalistas (ou atentos) que em 2009?

Quem “recuperou” este não-assunto e porque?

Qual é a razão da exploração “emocional” de um não-assunto neste exacto momento, em que tantos e mais sensíveis assuntos estão no nosso horizonte? Como pode um vídeo sem nenhum valor para além da posição humorística da actriz incomodar um povo, não fosse alguma manipulação projectar uma relevância que não tem?

O que está por trás desta fabricação ideológica é que me preocupa e pelos vistos não preocupou ninguém da imprensa, interessada apenas em saber as posições de algumas figuras e do povo em geral, um teste para verificar o grau de resposta emocional/racional da sociedade.

Esperemos que interesse a alguém.

Menino no balão: Pelos vistos a imprensa norte-americana andou de cabeça perdida com a hipótese de uma criança ter embarcado num balão de hélio de brincar (fantástico brinquedo!) e ter supostamente andado a vaguear pelo Estado até aterrar e ser detectado que a esperta criança não saiu do sótão de sua casa.

O facto de acompanharem o balão de uma forma intensa não é novidade: criancinhas a cair em poços, soterradas numa gruta, etc. são boas matérias de carácter emocional que prender o público que se vê implicado na realidade e que participa com a sua fé, o seu desejo de salvamento e na recuperação do pobre ser e da sua família que vive a angústia extrema da perda.

Facto é que não havia criança e – pior – suspeita-se de fabricação do acontecimento por parte dos pais.

Verdade ou não, a imprensa ficou sem jeito para acompanhar os desenvolvimentos porque isto acaba por ser uma anti-notícia. Porque? Por que destrói um dos grandes filões do segmento emocional, a crença colectiva do salvamento e da angústia. Uma eventual implicação dos pais na “fabricação” leva a que, se amanhã, uma criança ficar perdida numa floresta, cercada de lobos e sem comer a 8 dias, o público poderá desinteressar-se por questões de…credibilidade. Não se pode brincar com as emoções das pessoas. Toda a gente quer a experiencia do sofrimento e angústia desde que lhe garantam o sorriso e satisfação final!

Saramago: O último “caso nacional” tem a ver com o lançamento o último livro de Saramago e as suas afirmações sobre a Igreja e a religião em geral.

Este reavivar do antagonismo à religião e do seu papel apenas é compreensível por via da mediatização do livro. Porque nada mudou desde o tempo em que a Igreja deixou de queimar pessoas que renegavam a fé. A Igreja mantém-se a mesma e quem se lhe opõem não tem argumentos novos porque a natureza monolítica da Igreja não se alterou. Numa palavra, o que era válido na crítica em 1920,1950 ou noutra data qualquer mantém-se actual.

Todavia a discussão sobre o mérito e valor da religião é também um tema emocional. Quem discute, de um lado ou outro, tem a convicção de que a “razão” está do seu lado. Acreditar ou não em Deus pode ser racionalizado mas numa é expresso em termos neutros.

A polémica, se existe, anda à volta, novamente de atracção do “público” para o posicionamento emocional sobre a questão. E novamente porque?

Quais as razões que levam a tanta promoção do posicionamento emocional das pessoas?

Os media também tem de dar bases para a formação de opiniões e não promover uma montanha russa emocional. À volta destes três não-assuntos, televisões, rádios e jornais comportam-se como se de um concurso televisivo se tratasse, pode-se votar sobre os temas, tomar partido mas sempre de uma forma emocional, sectária e inconsistente. E porque?

Dão-se alvíssaras.

Nota final: A Administração Obama refere que irá tratar a FOX não como um canal de informação mas como um adversário político. Faz bem. Há um momento em que a pretensa luta pela verdade começa a parecer o chefe da aldeia que manda o povo incinerar a bruxa. E a FOX há muito ultrapassou este patamar. E não me venham falar de liberdade de imprensa sem associarem a responsabilidade da dita!

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