Pular para o conteúdo principal

A dimensão do fracasso

Até agora vi agitarem-se números, sorrisos nervosos, ameaças e receios. Ouvi soluções, meias soluções e iniciativas de mal menor serem analisadas: nenhuma delas é apontada como salvadora, apenas como atenuação das tensões.
Li triunfalismos de esquerda, perorando a infalibilidade das previsões marxistas e assustadoras conversões de economistas do sistema em intervencionistas e ascetas liberais que quase defendiam a venda da actividade política aos privados, a fazerem uma penitência humilhante dos benefícios do controle da actividade económica e especulativa (actividade essa – entenda-se - há muito sob o seu controle).
De tudo o que pude absorver pesadamente esta última semana, fiquei com algumas certezas:

Ninguém sabe a real dimensão do problema;

Ninguém sabe o real impacto que provocará;

Ninguém sabe o que se seguirá.



Para alguns, a principal preocupação é a sustentabilidade das instituições (presumo por preocupação desinteressada nos seus trabalhadores…), para outros é o fim de uma era em que a especulação tem os dias contados (o que é francamente duvidoso e que só poderia ser verdade se assumirmos desde logo o fim da economia de mercado e do funcionamento do capitalismo global. Não me parece que ninguém quer matar o cancro, apenas controlar os sintomas).Para outros é a liquidação da classe média e dos seus sonhos de conforto (os ricos continuarão a sê-lo, os pobres serão engrossados por gente devedora e os que já o eram tem os dias contados).

O medo e o horror rondam-nos mas como algo indizível. Parecemos crianças que não conseguem dormir sem a luz acesa ou com a porta do armário fechada e, na verdade, todos os dias a concorrência desmedida e a especulação mais desonesta tem arrastado à falência pequenas e médias empresas, negócios tradicionais e familiares, históricos e a vida de todo o Sec. XX. Tudo tem sido varrido para debaixo do tapete, importando milhares e milhares de pessoas de vidas e de afectos (sim ninguém ama a IBM, mas haverá sempre saudosos do Grandela e da CUF, etc.).

Afinal, parece-me que a preocupação é com "o que são as empresas", ou seja, grandes impérios financeiros construídos para sorver o esforço alheio através de juros. Então temos que, nesta lógica, não há diferença nenhuma entre a falência de um banco ou de 200 unidades produtivas diversas a empregar 50 pessoas cada! Equivalem-se.
Então porque é que os grandes financeiros se agitam freneticamente por falirem bancos? Onde está afinal o problema? É o mercado a funcionar na sua plenitude!

Então, o que se passa afinal?
Tenho uma pista: se os bancos, seguradoras e especuladores em geral não fossem intervencionados pelos Estados, quem tomaria conta destes negócios?
Quem detém o capital, quem retém grandes lucros e fortunas substancialmente consideráveis para dominar a economia a partir da crise, comprando barato e reerguendo um império de inegável poder?
Admitindo o aspecto global da crise e a indeterminada dimensão da mesma, seria de considerar que alguns países perderiam influência e soberania ao serem invadidos economicamente por outros investidores? Será isso grave? Afinal haverá um nível de globalização que não interessa, quando o domínio da economia é partilhado por "eficientes homens amarelos" ou por " gente escura com lenço na cabeça"?

Será este a sequela do 11 de Setembro?
Destruir o Capitalismo é destruir a América, tal qual a conhecemos. Faze-los vergarem-se à sua própria dívida pública, aos seus excessos, a obesidade intrínseca do seu sistema. Pode ser esta a destruição prometida nas Intifadas, a ameaça permanente da vingança de Alá é o fracasso do Ocidente em toda a sua plenitude. O apoio aos planos americanos é olhado com indiferença e alguma distância desconfiada pela Europa que vai resolver à sua maneira, com nacionalizações aqui e ali, injecções de dinheiro parcimoniosamente distribuído no mercado e aumentos de juros, enquanto não se verificarem os verdadeiros problemas. Os países árabes aproveitarão os "saldos" e a China alargará as bases de integração comercial no Ocidente. Tudo financiado com capital que não existe na realidade porque não é assente em riqueza produzida efectivamente.

A dimensão do fracasso será confirmada quando começarmos a discursar sobre a soberania dos Estados e a independência dos países "colonizados" economicamente por "estrangeiros".
O resto será uma repetição histórica…

Comentários

Helena Henriques disse…
Não sou nem tão pessimista, nem tão optimista. Afinal, não vejo que exista na Europa verdadeira escassez, vejo sim os pecadilhos que morderam os EUA, falta de recursos financeiros? Talvez, a questão passa por não me parecer haver verdadeira falta de recursos, recursos MESMO. Afinal, damo-nos ao luxo de não produzir para manter preços que nos interessem. Não temos petróleo, ele é um verdadeiro causador de problemas, mas não nos esforçamos realmente por substituí-lo. A crise parece-me o rebentamento de uma bolha especulativa. Vai ter de haver reajustes, e provavelmente sofrerão alguns dos mesmos. A propósito a tv pública passou uma peça interessante sobre uma senhora que, com um filho, vive com pouco mais de 400€. E trabalho no apoio a idosos incapacitados, e ganha cerca de 2,75€ a hora. Fantástico. Por acaso tenho uma ideia do que se pagava há uns 4 anos atrás por esse serviço, bem mais do dobro. Pergunto a mim própria quanto ganhará o Dr. responsável pela instituição em que a senhora trabalha, e quantos Drs empregará essa instituição e se algum deles já terá meditado acerca da sustentabilidade de tudo aquilo. Começo a estar com o Lula, crise de gente que quer viver sem suar.
Começo a achar que salvar o sistema é manter os mesmos parasitas.
vinhas disse…
Acho que a questão tem contornos profundos. O que se quer salvar aqui é o sistema e os que dele vivem, isto já toda a gente percebeu. O problema é que plano realizar para que os que pagam sempre nestas coisas não os hostilizem declaradamente, como aliás se viu na votação do Congresso, onde os Republicanos estiveram melhor que os Democratas e "leram" a mensagem do povo: ninguém quer pagar pelas asneiras dos outros e não estão nada satisfeitos por estes serem "subsidiados" pela porcaria que fizeram. Tudo para manter a imagem fictícia de que o sistema se autoregula.
Para além disso se o mercado actuasse, provavelmente estas empresas em falência poderiam passar para a mãode outras "famílias" de investidores que não serão, penso, muito bem vindas.
Helena Henriques disse…
Não me parece, o problema é demasiado sectorial - é o sector que está em crise, todo um modo de vida especulativo que foi abusado.
vinhas disse…
O sector "É" a economia do nosso tempo actual. Regular a especulação levará fatalmente à criação de outras áreas especulativas. Não tenhamos ilusões! Se não for nos mercados europeus e americanos, arranjar-se-á sempre uma brecha noutro lado. E como a economia é global...
Helena Henriques disse…
Mas não faz andar carros nem mata fome.

Postagens mais visitadas deste blog

Dos governos minoritários e maiorias absolutistas

Na óptica dos partidos mais votados em Portugal, a governação em situação minoritária ou de coligação é inviável. A ideia de um pequeno partido poder influenciar, propor e monitorar o comportamento aberrante dos partidos centrais é uma situação intolerável para estas máquinas de colocação de militantes e de controlo de investimentos privados. Acenam com o caos, a ingovernabilidade e o piorar da situação do país. Esquecem que o país caminhou para o fundo do abismo pela mão de ambos. Não por uma inépcia ou incapacidade das suas figuras, mas por dependência de quem os financia, de quem os povoa e da impossível subversão ao sistema corporativo vigente. Sócrates afrontou algumas destas entidades instaladas e vive a antropofagia quotidiana dos jornais e televisões e – vejam lá – ele não é um perigoso extremista, até porque o seu partido chutou soberanamente João Cravinho para canto, mais os seus amoques contra a corrupção. Se a memória não me falha Ferreira Leite foi a Ministra que teve a pe

Balanço e Contas: 2 anos de governação

Ao fim de 2 exaustivos anos de governação importa fazer uma reflexão não sobre os atos do governo mas sim sobre o comportamento da sociedade em geral relativamente ao que se está a passar. Para faze-lo, importa ter presente algumas premissas que a comunicação social e as pessoas em geral insistem em negligenciar e a fingir ignorantemente que não são as traves mestras do comportamento governativo: 1. Este governo não governa para os portugueses nem para os seus eleitores; 2. Este governo não pretende implementar qualquer modelo económico. Pretende apenas criar a rutura necessária à implantação de um; 3. A sua intervenção orienta-se por uma falsa perceção de que a sociedade portuguesa entrou em rutura com o socialismo e as conquistas sociais do 25 de Abril; 4. Para agradar credores e cair no goto do sistema financeiro que irá propiciar empregos futuros a quem for mais bandalho com o seu país, usou o medo para tornar a mudança incontornável, culpando e responsabilizan