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Um terramoto em Lisboa e o destino do país

E o dia chegou.
Vindo do nada, a terra agita-se com vigor e as marés invadem o espaço do homem.
Lisboa é tomada de assalto pela natureza, esventrada e desmembrada. A amplitude do caos é enorme e da Lisboa castiça mantém-se de pé uns quantos traços e quarteirões. Da Lisboa nova pouco ou nada sobra, colapsada no remexer interior das fundações impreparadas. A frente marítima, sugada na enxurrada transforma-se numa entulheira inultrapassável.
Sendo o sismo em plena hora de ponta, as perdas humanas são incalculáveis, sabemos apenas que são milhões de habitantes da periferia e da cidade que desapareceram.
O país estupefacto, lança-se na sua inigualável solidariedade das horas difíceis para resgatar o possível, salvar os moribundos e reconstruir a capital…

É nesse momento que o filme deve parar!

Reconstruir porque?
Não será essa a oportunidade única de extinguir as assimetrias, recuperar o interior, disciplinar o desenvolvimento e distribuição da riqueza?
Porque radicar no mesmo erro de 500 anos? Para que repeti-lo?
Afinal, o que aconteceria ao país nesta circunstância?

Os centros de decisão teriam de ser disseminados pelo país da forma possível e mais cordata (O centro de gestão da crise poderia ficar em Leiria, os Ministérios mais “executivos” (Economia, Adm. Interna) e que dependem da coordenação da comunicação passariam para o Porto; os mais “sociais” (Saúde, Educação, Emprego, etc. poderiam distribuir-se entre Coimbra e Évora); os restantes deslocar-se-iam em função de estratégias e recursos disponíveis (ainda não sabemos como o país ficou com o terramoto. Só falamos de Lisboa…como epicentro). Teríamos ainda Braga, Guimarães, Guarda, Viseu, Faro, Viana, etc.

Essa disseminação nacional arrastaria necessidades e recursos, modernização e população. Cresceriam as regiões, os consumos e as ideias.
As cidades reactivadas pela procura, ganhariam vida, população e esperança.
Novas famílias surgiriam e os ares da mudança promoveriam novas mentalidades, ideias e criações.
Se tudo resultasse bem, o bem-estar, o lazer e a cultura seguiriam de mãos dadas a estes vectores.

Dado que nenhuma outra cidade seria capaz de acolher monopolisticamente toda a entourage politica e administrativa do país, a distribuição promoveria um acréscimo de sinergias e interacções entre as diferentes cidades, motivando uma espécie de vivência em burgo moderno, humanizado (a capacidade de expansão da maior parte das cidades é relativamente curta do ponto de vista geográfico. As cidades, habituadas que estão a ficarem com uma promessa de desenvolvimento, chamado de “pólos industriais”, possuem limitações de crescimento (a não ser que voltemos a fase da arquitectura ignorante, onde em todo o lado cabe um shopping, uma galeria ou um T0).

Pela proximidade com a natureza, seria de crer no desejo dos locais na manutenção de um ambiente minimamente sensível às suas características, possibilitando a junção do conforto moderno, o respeito ambiental e a natural qualidade de vida que daí surgiria.
Em contrapartida, as mentalidades mais conservadoras teriam de se adaptar a novas ideias, sensibilidades e desejos, assim como os “novos habitantes” teriam de reconhecer algum sentido na experiência humana e na inegável dignidade e respeitabilidade destas gentes que agora andam abandonadas, a morrer devagar num interior que só se vê de passagem.

Evidentemente, nada é tão harmónico e idílico como uma teoria de três minutos. Haveria conflitos, desajustamentos, avanços, recuos e rejeições.
Nada se faz com empatias sublimes (nem com autocracia vulgar!) e a dimensão do problema e do drama humano, enfim, de uma possível realidade, empena sempre as teorias mais elaboradas.

A única coisa que tenho como certa é que, se tal acontecesse, o melhor que se poderia fazer pelo país seria construir um monumento onde antes existiu Lisboa.

Tenho consciência de que, depois deste texto, muitos virão dizer que sou Super Dragão, Pinto Costista e sei lá mais o que! Peço a quem o ler o favor de perceber que não é desta Lisboa que falo. É da outra Lisboa de que não fazemos parte.

Vinhas

Comentários

Helena Henriques disse…
C�ustico, mas explica bem a f� no desenvolvimento regional comandado pela tal Lisboa - irra, nem desconcentra�o administrativa se tem visto.
Anônimo disse…
:)
Espero sobreviver ao terramoto
:)

Não posso deixar de concordar que existe demasiada concentração de poder em Lisboa, algo que deve ser alterado, especialmente hoje em dia com os meios de comunicação instantâneos tanto de voz como de dados.

Espero que não seja preciso um terramoto para dar início a este projecto, aliás (vocês não vão gostar disto) mas das poucas coisas que Santana Lopes quis fazer foi exactamente isso, inclusivé para evitar futuros argumentos a favor de uma regionalização.

Sou contra a regionalização e favor da distribuição dos orgãos do poder, através das medidas sugeridas no texto.

O que não implica que Lisboa deixe algum dia de ser a capital do País.
Helena Henriques disse…
Lisboa deixar de ser capital? Claro que não :) É capital muito bem e bem bonita também. Aliás penso que mudar de capital seria apenas mudar a paisagem do problema centralismo, a não ser que as capitais fossem rotativas - assim 25 anos cada :D
vinhas disse…
Penso que Lisboa até agradeceria com a desconcentração.
O facto de estar tudo lá também tolhe a cidade e faz com que ela acabe por não pertencer aos seus cidadãos.
Gostava de ser um defensor da regionalização, mas quando olho para os líderes locais a Norte do país...

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