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Dez Sugestões para melhor governar

Governar deve ser das tarefas mais deprimentes que um humano pode desenvolver. É muito mais aliciante criar, fruir e fazer aquelas coisas fúteis que todos fazemos porque são fundamentais apesar de fúteis.
Longe vão os tempos em que, se o soberano não detivesse as pragas, chuva, seca ou outra qualquer tarefa mística, era imolado de uma qualquer forma terrível.
Muito andamos do esquartejamento à impunidade!
Por isso, temos de viver com políticos. Porque poucos são os que querem sujar as mãos num trabalho em que não contentamos ninguém; por mais que façamos, há o dobro a realizar; por mais justas que sejam as nossas causas acabamos a prejudicar alguém.
Mas será culpa nossa que alguns destes homens com falta de preparação humanista se ponham a realizar coisas em nosso nome quando, durante o período de promoção, não estava mencionado (Esta campanha não dispensa a consulta do prospecto)? Porque as estratégias de campanha cada vez mais assemelham-se às dos bancos e seguradoras…?
O esvaziamento ou submissão destes transforma democracias em “democraturas” mesmo que se mantenham os rituais.
A culpa é de todos, sem dúvida. Somos pouco exigentes com os que elegemos. Não pedimos, clara e objectivamente informações sobre as políticas e estratégias que irão utilizar na governação; não desenvolvemos mecanismos de controlo à actividade e, sobretudo, não existem condenações para as más práticas governativas. Não desenvolvemos associações e organizações que retirem à iniciativa governativa determinadas prerrogativas, somos pouco solidários e atentos. Vivemos coisas fúteis e depois queixamo-nos. Irritam-nos a prepotência das corporações mas adoramos fazer parte de uma delas, se possível.
A urgência de um caminho novo para a democracia passa essencialmente pelo cidadão e não pelos partidos.
Enquanto estes tempos não chegam, e aproveitando o clima de festa, resta-me sugerir uma dezena de “posturas” que seria bom ver reflectida na governação – nesta ou noutra qualquer.

1-Explicar com clareza e precisão a mudança a realizar
As pessoas tendem a ser conservadoras e cristalizam as suas situações e direitos. Nada de especial. Quando um governo mexe numa situação instalada, obviamente enfrenta um vespeiro. O trabalho dessa mudança passa por uma negociação clara e honesta, por um trabalho participado com a classe ou grupo atingido, tentando que este seja coerente com o conjunto da sociedade porque, não vale a pena mexer num lado e manter no outro. Utilizar ardis para diminuir a eficácia de um serviço ou uma classe é meio caminho para agudizar o problema, quanto maior for a corporação que nos referimos. Os professores são um exemplo, mas as corporações são tantas…

2-Valorizar o capital humano
Não há dúvidas que, em Portugal existem trabalhadores válidos e sérios. Gente com dinâmica e capacidade. Regra geral são os não escolhidos por falta de pergaminhos ou pedigree. Quer o poder repor a justiça introduzindo avaliações, disponíveis, reformas antecipadas, etc. Quanto a mim trata-se de tentar construir a casa pelo telhado. Melhor seria, junto com os sindicatos, rever as profissões existentes, os sistemas de progressão e avaliação e só depois elaborar listas de disponíveis e transferências, aliado a um pacote de medidas de valorização profissional e de reforço do capital humano existente.
Se pensam que um Sindicato bloqueará esta estratégia estão enganados. Mas se duvidam, façam negociações à porta aberta, com a presença da Comunicação Social.
Qualquer processo de modificação na F.P. levará décadas e realizar-se, necessitando de um compromisso nacional em torno dele. Mas seria bom que fosse efectuado a pensar nas pessoas. E já agora, por favor, livrem-se de contratar pessoas a recibos verdes. Se no sector privado é imoral no público soa a pornográfico.

3-Modernizar sem destruir
Modernizar um serviço não é:
Instalar computadores. É dar formação ao pessoal que lá trabalha para utilizá-los.
Reduzir o pessoal. É adequar os recursos humanos às necessidades existentes.
Aumentar os ordenados dos gestores. É dignificar o conjunto da empresa/serviço. Se os resultados aparecem não é obra de uma divina criatura.
Introduzir o medo e a cultura da autoridade: É apelar ao espírito de equipa e de conquista comum.
Reduzir tudo a números: o sucesso não passa por rácios, passa também por aspectos afectivos e volitivos. O trabalho é uma questão humana.

4-Criar uma visão realista ente o desejável e o possível
Somos europeus por uma mera questão geográfica. Portugal é dos poucos países que se pode regozijar de poder ser transferível para África, Ásia, Américas sem sentir qualquer transtorno. Porque Portugal é todo o mundo e nisso não há país que o bata.
Se o preço a pagar pelo conforto europeu é abdicar da identidade, isto terá de ser claramente colocado ao povo e cabe a ele decidir o destino da nação.
Cabe ao país, no seu conjunto perfilar o que são as suas aspirações sem abandonar o realismo necessário. Países com maiores recursos não têm as estruturas de que Portugal dispõe por simples opção. Ter dez estádios de futebol nunca seria um desígnio nacional na Dinamarca ou Suécia. Ter museus fechados por falta de seguranças também não. Há que ajustar o sentido da política ao que somos. Sonhar sim mas com pés no chão.

5-Comunicar intensamente
Não é um exclusivo deste governo: a incapacidade de chegar às pessoas começa nas campanhas. As pessoas não ouvem. Não por descrença mas por absoluta dúvida sobre a que vem este ou aquele político. A celebração de cultos (leia-se comícios) apenas junta massas, não as esclarece. Não há debate (faz-se apenas o festival da campanha televisivo do costume e por acerto de agendas). Passear nas feiras não esclarece que políticas pretendem implementar para o comércio de rua; visitar escolas não define uma política de educação ou andar de capacete numa obra não diz nada sobre o que acontecerá à construção Civil. As pessoas, hoje, são diferentes. Até quando os políticos tratarão o cidadão como um ser menor? Até estes deixarem de votar definitivamente.
A necessidade de comunicar clara, séria e intensamente o que pretendem fazer e o que não farão, abrindo o jogo em definitivo deveria ser considerada uma obrigação partidária.

6-Desenvolver a Autocrítica antes de ser criticado
Porque governar é uma actividade autista? Porque se tornam infalíveis os governantes? Porque, depois de apelar ao voto do povo, ignoram-no soberanamente?
A infalibilidade das políticas, quanto a mim, tem a ver com isto: os governos são eleitos pelo povo mas a tarefa torna-se outra. Quem é o país dos governantes? Cerca de um quinto de quem nele vive. Os que tem poder económico ou social, os que se inserem em estruturas fortes e gravitam à volta do poder. O resto é opinião pública.
Aos oito milhões que ficam de fora (e ficam sempre, independentemente de quem governa!) resta aguentar-se. Esta é uma realidade escamoteada perpetuamente ao nível nacional. Todos os governos da pós-adesão europeia deveriam por a mão na consciência e verificar o abismo social que é Portugal.
A falta de auto-crítica do poder leva a que o poder sancionatório de quem se lhe opõem ganhe peso. Reconhecer um erro, um desvio ou um insucesso poderia não apenas humanizar as figuras do poder e abrir espaços para a reabilitação conjunta de novas políticas. As mudanças participadas são mudanças plenas. Todas as outras são adulteradas ou anuladas pelos personagens seguintes.

7-Orientar os recursos para onde são de facto necessários
A nova onda do investimento público passa pela tecnologia, sedução de investimento estrangeiro e turismo. Muito bem, mas gostaria que o dinheiro dos meus impostos servisse outras áreas. O investimento nas pessoas como reformas decentes, protecção social adequada, formação profissional e humana, qualificações, cultura, ensino, etc.
O serviço público consiste em assegurar ao cidadão as garantias constitucionais, em primeiro lugar. Julgo que falta um certo sentido de bem-estar comum. Incomoda-me o esvaziamento do interior do país, existirem áreas do território sem água, saneamento, electricidade. Chateia-me a disparidade de rendimentos e a falta de um desígnio nacional que envolva o país no seu todo. É inegável a importância do investimento estrangeiro mas o que temos para oferecer serve para a sua durabilidade? É importante o desenvolvimento tecnológico mas que formação se providencia para os seus utilizadores? Somos bons anfitriões, mas quantos campos de golfe e resorts são necessários para a qualidade?
Não sendo liberal, penso que o Estado não pode e não deve ter um peso tão relevante na economia. Deve controlar os abusos empresariais e fazer cumprir a lei apoiando o cidadão e deixar-se de operações de charme duvidosas que trazem multinacionais que “estagiam” meia dúzia de anos e depois partem para a Roménia.

8-Educar/sensibilizar/insistir/recomeçar
Não acredito na repressão. A repressão gera vingança e desafio. Quanto mais agimos coercivamente, mais certo será que, a determinado ponto, nos farão pagar a exigência.
Cidadania e civismo são coisas que se aprendem em casa e na escola. São práticas que o Estado deveria favorecer e reforçar, cientes da batalha inglória e duradoura que isso representa quando os índices de pobreza são elevados e a sobrevivência está na ordem do dia.
Sente-se uma urgência do Estado em sermos “asseados”. Mas o máximo que se consegue no momento é colocar os moncos do nariz debaixo da mesa. Não somos um país moderno. Faltou sempre investimento no essencial. Passamos de Estado Novo a um Novo Estado. A dependência deste continuou
Falta clareza nos objectivos da sociedade portuguesa porque nos falta um destino, um caminho comum, uma partilha de objectivos, cimentada no deixa andar de alguns, no egoísmo de outros e na intocabilidade dos direitos de umas poucas famílias.

9-Não impor, negociar. Não transigir, negociar
Aceito que um governo tem de legislar, avançar com projectos e reformas. A não ser assim, nada faria sentido. Até admito que o desenho das mesmas seja um trabalho tecnocrático, de gabinete, a partir de uma realidade abstracta dada pelos números. O que é inadmissível é o confronto da mesma com a realidade antes da sua aplicação.
O Estado desenvolveu vícios na sua relação com as pessoas. Criou sub-rendimentos associados aos ordenados para satisfazer interesses pontuais; criou carreiras fantasma na gestão intermédia que são uma terra de ninguém; departamentos sem qualquer objectivo prático, enfim uma maré de subterfúgios para o que? Não ter de negociar. Porque? Várias razões. É trabalhoso, exaustivo, não tem impacto imediato, leva a que se tenha de reconhecer humildemente que o projecto tem erros (e os governos são infalíveis, lembram-se?), leva a conflitualidade social. E depois? Se um Governo parte de boa fé numa negociação não tem que temer.
Sabemos que os sindicatos são por vezes aparelhos de intransigência negocial. Os interesses de classe ou profissionais são postos de lado em busca de uma política de terra queimada quando tal é necessário. Mas nem tudo nos sindicatos é obstáculo e muitas vezes os seus contributos são essenciais para fazer vingar um projecto.
Tomemos como exemplo a flexisegurança que, pé ante pé, está a ser implementada em Portugal.
Não há português á esquerda ou à direita que duvide que cá a sua introdução trará precaridade, aumento do desemprego e pobreza. O Estado não garantirá absolutamente nada por não ter recursos para o fazer. Os Sindicatos protestarão. O povo em geral começará a tomar a atitude normal; baixa os braços, lixa-se para o trabalho (porque amanhã já poderá não estar cá) e iremos aumentando a improdutividade, o volume da pobreza, enfim, uma nova China (talvez por isso os governantes tenham lá ido falar de baixos salários…).
Se os governantes, de facto, devem algo aos seus eleitores será, no mínimo falar com eles na construção do futuro.

10-Defender o país contra a dependência nacional
Finalmente, o mais importante: a definição de áreas sensíveis sem as quais a soberania de um país pode efectivamente estar em causa. É preciso uma demonstração categórica de que o Estado defende o país e a sua soberania. Esta faz-se não comprando submarinos (gastando o mesmo valor em fotocópias…). Faz-se na preservação patrimonial e ambiental.
Há áreas não negligenciáveis que urge serem encaradas com seriedade sob pena de não existirmos dentro de um século. As reservas agrícola e florestal devem ser encaradas e definidas com coerência. É impossível mantermo-nos independentes sem assegurarmos um mínimo de 30% das nossas necessidades alimentares; é inegociável a necessidade de que as reservas florestais nunca sejam violadas por PIN’s e PUK’s e que seja garantida a diversidade biológica do país, negociando com Espanha áreas de continuidade.
Uma severa política hídrica que não transija na intenção de que a água não é um negócio mas sim um direito comum;
Finalmente uma séria politica de desconcentração territorial e ocupação harmónica do país poderia contribuir decisivamente para inúmeras melhorias na qualidade de vida das cidades, no reforço do espaço humano do interior, a descompressão do litoral e evitar tentativas cada vez mais sensíveis de se pensar numa Regionalização que mais não seria do que a duplicação política de intervenientes de categoria duvidosa.

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