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E ficou uma cidade limpinha...

Foto: Carlos Romão


Vivo no Porto há mais de 30 anos, era criança, nem sei muito bem o que é viver noutra cidade, mas o Porto eu conheço, vejo-o como uma cidade temperamental, em que ora impera uma mentalidade burguesa e conservadora, ora sofre de vagas liberais (no sentido de progressistas) e lá vai levando a sua conflitualidade ora em discussões mais acesas de café ou autocarro, num amuado virar de costas entre facções, pontualmente há conflito, à moda do Porto, sanado que seja todos nos voltamos para o nosso orgulho, o Dragão - hoje talvez o símbolo mais marcante de que existe aqui capacidade para grandes realizações. Este é o Porto que eu sinto e de que aprendi a gostar, por mais que me irritem os seus tiques de burguesia acomodada e ciosa dos seus privilégios. Ora, como o mundo é assim mesmo (e está bem), faz já alguns anos que o Porto vem mostrando a sua face burguesa.
A cidade está depauperada, o desemprego tem-na atingido fortemente, o centro está desabitado, há muito que o seu povo foi sendo expulso para a área metropolitana, restam alguns muito pobres que ou vivem em Bairros ou são idosos que vivem em casas que só de olhar mete medo de derrocada. Os jovens de classe média também vão fugindo, resta uma burguesia endinheirada em alguns pontos mais chiques da cidade. E querem a cidade para eles.
E não percebem que a matam.
Parece-me que quando se pretende passar o património colectivo para as mãos de privados porque não somos capazes de tomar conta dele, há algo de profundamente errado. Quando se pretende que não haja arrumadores, não porque não há problemas sociais mas porque não se quer encara-los, é hora de acordar. Veja-se o Bolhão, é um mercado, tem vida trabalha lá o tal povo que foi escorraçado e que volta todas as madrugadas com alegria. Por incúria municipal, o prédio está a cair, à semelhança de grande parte da envolvente, diga-se de passagem - a estratégia privada também tem sido deixar cair e ganhar com a especulação imobiliária e os seus condomínios fechados. Pois muito bem, os nossos neoliberais entendem por bem que o Bolhão é sujo, indigno de visita da ASAE, os seus comerciantes são economicamente inviáveis e não pagam impostos(?), não tem clientes e 'suja' a reabilitação da Baixa, para além disso o orçamento da edilidade é quase insuficiente para o leite das crianças das EBs (Escolas Básicas), assim, justifica-se que, sendo o imóvel classificado, se mantenha a fachada e se permita a um privado o seu usufruto. Em bom rigor quer-se limpar o Bolhão, quer-se uma cidade limpinha, asséptica de supermercados em que as coisas podem estar degradadas mas embaladas, podem não saber a nada mas estão a brilhar de limpinhas, em que a pronúncia do norte é recatada e não gritada em pregões, lojas e apartamentos para estudantes de economia ou cursos produtivos, não é cá os excêntricos das artes não produtivas.

Ai, Porto que ou acordas ou já terás sido irremediavelmente desinfectado.

Comentários

vinhas disse…
A discussão à volta do Bolhão tem muito de Fantasporto: discute-se um projecto que não existe (ou se existe ninguém mostrou); ignora-se um projecto que já existe e que a Câmara já pagou (então a economia? Com a Praça não foi assim. O projecto do tempo do Fernando Gomes foi executado!) e as pessoas protestam na base de algo que ninguém sabe exactamente os contornos (presumindo que a "brochura publicitária" foi um exercício masturbatório de lesa património.
Também o Palácio vai sofrer obras (acho bem!) mas eu desconheço o projecto. Só sei quem vai ser a entidade gestora do espaço...sem concurso, por convite, como o Rivoli.

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