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Oportunidades e Circunstâncias

Por mais que se pretenda personificar numa pessoa uma série de intenções e acções políticas, um homem não é uma ilha.
Dizer que Rui Rio, na sua acção faz isso ou aquilo à cidade do Porto e que é objecto de muitas críticas e de alguns elogios amplificados pela propaganda interna que montou não nos leva ao cerne do problema.
Rui Rio é apenas uma figura, um repositório das esperanças de um certo PSD para o futuro.
Apesar da fúria de não ter sido carregado em braços para a Direcção do partido após a saída de Marques Mendes onde faria uma espécie de “revival” cavaquista isto acontecerá mais cedo ou mais tarde.
Não acredito que Rui Rio tenha uma política definida para a Câmara e muito menos para o país: penso que ele não é mais de que um gestor de oportunidades e circunstâncias.
A oportunidade que lhe foi concedida para gerir uma Autarquia coberta de má imagem ao nível dos seus serviços, a oportunidade da reacção às ligações das Câmaras ao futebol (muito por via de Fátima Felgueiras, Gondomar e Apito Dourado, explorado para dividir o interesse público com o processo Casa Pia), a oportunidade criada pela Porto 2001 que exauriu a cidade de obras e criou uma série de eventos de inegável qualidade mas a que o povo em geral nunca teve acesso, à parte louváveis trabalhos com a comunidade que redundaram em espectáculos participados e a oportunidade do castigo aplicado a Fernando Gomes nas eleições, criaram a circunstância de uma inesperada eleição.
Desprevenido para a vitória, Rui Rio recebeu uma série de aconselhamentos e doutrinação mediática.
Sem política, servindo-se apenas do rótulo da honestidade, foi necessário que alguém lhe montasse uma estratégia de vertente liberal e autoritária para atacar os problemas internos da Câmara, em primeiro lugar.
A cidade, aturdida com os processos nacionais que decorriam e que elevaram a dimensão da corrupção a um patamar de preocupação central, aceitou a intervenção dos serviços como uma “moralização” do sistema. A “mão de ferro” sobre os “malandros” da Câmara, a par da pintura das paredes rachadas e húmidas dos bairros foram compondo um ramalhete de acção objectiva sobre os problemas da cidade (que são o problema dos bairros sociais, entenda-se).
A par disso, as notícias da “saúde financeira” (de que só teremos consciência plena após auditoria independente) da Câmara enchiam os jornais não para dar mérito ao Porto mas para criticar a Câmara de Lisboa que se arrastava cada vez mais para o fundo.
Com o capital de confiança conquistado e a dobrar o 1º mandato começaram as necessárias guerras. Com a cultura, com alguns serviços camarários, com a implementação de obras de “recuperação”, muitas delas acertadas pelo executivo anterior, com o Parque da Cidade, etc.
Aos serviços e à Cultura retirou capital e investimento, deixando-os rolar para o abismo e com os restantes processos foi protelando o óbvio na via judicial que o deixa tão contrafeito e irado que as suas afirmações sobre a justiça raiam o popularucho.
Neste ambiente de conflito controlado e com a incapacidade da oposição (de facto, em Portugal, ser oposição deve ser mais difícil do que ser governação!) arrasa com um 2º mandato maioritário, colhendo os frutos do próprio ambiente nacional.
Tudo isso sem nenhuma obra, nenhuma originalidade, nenhuma política: apenas imagem.
Dado que, durante o primeiro mandato não teve maioria, admite-se que não realizou nada de especial mas foi saneando o possível.
Esperava-se um mandato de glória que veria florescer obra própria, não necessariamente edificada mas algo de original e relevante porque também ninguém esperava dele obras de regime, absolutamente desnecessárias ao Porto.
Servindo-se de uma ferramenta inteligente de recuperação de fachadas dos prédios (iniciada timidamente no primeiro mandato) no eixo central da cidade e a recuperação da Praça (que não é sequer um projecto seu mas que deu imenso jeito porque pode gabar-se de aplicá-lo e, simultaneamente, não defende-lo porque foi do anterior Autarca), Rui Rio teve a oportunidade de descobrir a sua forma de diálogo com o povo: o regresso ao passado.
No Porto há eléctrico novamente. Há tradições de antanho como as corridas, há umas coisas serôdias para entreter as pessoas. Tudo tirado da naftalina do tempo. E porque? Mais de metade da População do Porto tem mais de 55 anos e quase 21% vive em Bairros sociais. Os baixos indicadores sociais a que se juntam a saída dos mais novos e mais escolarizados para outros Concelhos da Área Metropolitana criou o caldo ideal da sua política, ajudado por uma massa critica que ainda não percebeu que o povo eleitor do Porto não quer cultura, quer festa, não quer uma paridade com as segundas cidades europeias, quer é coisas de encher o olho, quer coisas que lhes lembre o passado, a sua juventude, enfim os “bons tempos”.
Quem se interessa por estas coisas modernas e cosmopolitas são os habitantes da restante Área Metropolitana que não votam no Concelho.
Para estes há os aviões.
Rui Rio não protagoniza o progresso, o desenvolvimento ou qualquer tipo de renovação. Rui Rio é a personificação dos maus instintos nacionais, pequenino, humilde, desconfiado e revanchista e sem querer saber dos outros; é o homem que, se pudesse, cobrava imposto sobre a utilização de isqueiros; é o paladino do português que se sente injustiçado porque acha que a lei deve ter uma especial atenção sobre si e que deveria ser igual apenas para os outros; é a imagem do teddy-boy anos 70, cabelo puxado a gel até à nuca, que roubava o carro ao pai para fazer umas corridas nas estradas secundárias e a quem a policia, quando apanhava, levava-os até os pais que agraciavam o agente por não multa-lo ou detê-lo, prometendo castigar o filho; é aquele que, numa manifestação grita, puxa pela turba e depois vai para o fundo atirar pedras e ver os que ficaram na frente a levar porrada; é o tipo de homem moderno que no início dos anos 70 deixava a namorada fumar desde que não fosse ao café sozinha de mini-saia.
É um fantasma do passado que povoa o nosso presente e ameaça o nosso futuro! É um potencial líder nacional, o sabonete que a SIC sempre pretendeu lançar!

Mas, de onde vem tudo isso?
Não creio que seja Rui Rio, não me parece um homem capaz de definir uma política e uma estratégia de poder.
Então quem está, de facto, por trás de toda esta configuração? Quem são os homens que desejam um futuro radioso para Rui Rio, controlando-o e definindo o que ele deve fazer, como fazer e qual o conjunto de oportunidades e circunstâncias que permitem fazer brilhar este testa de ferro? A quem convém Rui Rio?
Dão-se alvíssaras.

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