Sempre desejei ter um saco de boxe, daqueles com areia e uma corrente que prende ao teto.
Por várias vezes estive tentado a comprar, mas não o fiz. Não pensem que foi por poupança. Primeiro, é preciso saber usar um berbequim para fixa-lo, coisa que jamais conseguirei porque eu e a bricolage temos uma divergência de fundo; depois, porque o único sítio onde poderia colocá-lo seria na garagem (não tardava apareceria um bando de autoridades a levar-me preso, dado o meu conflitual passado) ou no pátio, sujeito ao escrutínio dos vizinhos que veriam o meu fraco folego e a vitória do inerte saco.
Felizmente, nos tempos que correm, um super-herói veio ajudar-me a resolver o problema: Passos, o Homem- Catarse!
Passos oferece o seu encouraçado corpo às balas, insultos, invetivas e ódios, absorvendo toda a contestação grosseira e rasteira com que se alimenta. (e o fato de se alimentar com a porcaria lançada pelos outros também é ecologicamente útil!).
Quando o Homem-Catarse lança o seu ataque de disparate inútil, lançado pela sua verborreia inconsequente, produz um efeito poderoso junto de todos os que estão muito perto de comprar armas ou roubar explosivos nas obras. Hordas de reformados, desempregados, desempregados que já não entram nas estatísticas, trabalhadores comuns, pais de família, enfim, qualquer pessoa provida de bom senso que nunca disse um palavrão de forma volúvel dispara contra a televisão, o rádio, amassa o jornal e insulta-o de todas aquelas toneladas de impropérios que se encontram pendentes no peito e nos fazem arrastar os pés e olhar para o chão!
Levanta-se uma borrasca nacional contra o Homem-Catarse que não passa mesmo disso: um alívio profundo e calmante. O Homem-Catarse, pingando de cuspidelas e mucos vários sai satisfeito e revigorado pelo efeito da sua criancice libertadora. Ele sabe que ganhou alguns segundos de vida porque a revolta foi libertada em forma de palavra e insulto, pela generalizada evacuação do povo sobre a sua pessoa!
Libertado destas substâncias aprisionadas, o povo acalma e refresca a mente. Sente-se no país um conforto de questão resolvida sem que nada se tenha de fato alterado. Este é o segredo do Homem-Catarse: destruir a organização contestatária pela excessiva valorização dos disparates que diz.
Passos fala do povo português e das suas atitudes como se fosse experiente, clarividente e – convenhamos – inteligente. Lamento, mas nenhuma destas premissas corresponde a verdade (basta uma rápida olhadela ao currículo para ficarmos esclarecidos!) e é isso que as pessoas devem ter em conta: em vez de se irritarem, comecem a pensar em mandá-lo embora que é a única coisa sensata a fazer com o Homem-Catarse!
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