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Chicago não foi uma terra de gangsters?


No Chile, em 1973, criaram-se as condições ideais a implementação dos princípios da Escola de Chicago como em nenhum outro lugar do mundo.

Um golpe de Estado patrocinado pelo governo americano no âmbito da Operação Condor (coisa que obviamente nunca existiu!) eliminou fisicamente um governo eleito e instituiu uma ditadura feroz que abateu sistematicamente tudo o que pudesse ter a ver com a esquerda, mesmo que um leve perfume. Para além do processo de genocídio encomendado pela América (curiosamente ninguém foi julgado em TPI comprovando uma vez mais a nulidade de um Tribunal que não julga os “amigos” do financiador).

Acarinhado como nenhum outro assassino a soldo da América, Pinochet fez por merece-lo, criando a primeira nação-laboratório para uma teoria económica que defende um Estado juiz e fiscalizador que nada tem a ver com o cidadão para além de uma mera relação formal.

E como se processou?

1.      Eliminação sistemática da contestação social. Cerca de 50.000 mortos. Destes, cerca de 10.000 após tortura;

2.      Silenciamento sistemático de toda a oposição e instituições democráticas;

3.      Revogação de todas as medidas de carácter económico e social do governo anterior;

4.      Devolução dos sectores produtivos aos antigos proprietários e privatização sistemática de todo o sector público;

5.      Privatização dos sectores de interesse social (saúde, educação e segurança social) para além de áreas económicas fundamentais para a existência nacional (minas, energia e água).

Resultados:

1.      De 1973 a 1980, a inflação no Chile passou de 508% para 10%;

2.      A desigualdade decuplicou, criando bolsas estruturais de pobreza em ciclo irreversível a rondar os 34% (ou seja 1/3 da população vivia abaixo da linha da pobreza e lá permanecerá o resto da vida entre pequenos saltos evolutivos de avanço e recuo geracional em função das politicas distributivas ou recessivas que se aplicarem);

3.      O investimento do Estado chileno, em 73 rondaria os 12%, passando para cerca de metade até o início dos anos 80, altura em que a luta contra a pobreza endémica obriga a ampliação do investimento na área da protecção social (presume-se que nunca é possível imaginar uma distribuição da riqueza menos desigual como forma de atenuar os gastos com a “caridadezinha”. Deve ser desse meu feitio utópico…).

4.      A absoluta dependência das condições do mercado internacional e do preço das matérias-primas, transforma a economia chilena num Estado-elevador que, consoante os botões que se tocam, tão depressa estão na penthouse como na mais profunda das caves. Claro que uma economia desta natureza interessa a quem tem dinheiro para especular. Quem vive no fio da navalha…

Conclusão:

1.      Se não dermos importância às pessoas, o neoliberalismo é excelente para recuperar quadros recessivos desde que se verifiquem as seguintes condições: mercados em expansão e crescimento (não é o caso do momento);

2.      O encolhimento do Estado e a demissão das suas funções de “equilibrador” em sociedades desiguais (sociedades em que a desigualdade da distribuição dos rendimentos é elevada, onde existam enormes bolsas de pobreza estrutural e a pirâmide etária da população revele uma estrutura envelhecida) resultará no que chamarei de Estado-cínico, aquele que faz cheques-estudantes, cheques-velhinhos, corta-fitas em sessões de caridadezinha, muita Igreja, muito fado, muito futebol.

3.      Esta coisa do neoliberalismo é bom quando se possui recursos naturais (petróleo, urânio, cobre, agricultura rica e florescente, etc.) Salvo se descobrirmos petróleo em Peniche (e espero que descubram já que as zonas de pesca estão fechadas à custa das sondagens!) não temos nada disso.

Temos turismo, paisagem e produtos tradicionais de qualidade. Reservas ecológicas, património histórico e água. Cimento, papel e condições para produzir energia limpa. Criação cultural e artística de relevo. Poderemos ter, se houver empenhamento, agricultura e pesca. Pequenos comerciantes, pequenos empreendedores e pequenos produtores que vão sendo engolidos por uma estrutura de distribuição e comércio para o qual a população não tem capital.

Saberemos nós viver disso?

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