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Descascando a cebola

Ninguém com um mínimo de espírito crítico acredita que a informação da TVI é séria e isenta. Acreditar que Manuela Moura Guedes (MMG) é a voz da liberdade, da isenção ou um Walter Cronkite é um acto de demência.
Fazer crer a alguém que a Direcção de informação da TVI não tem um fim específico na forma como desjornaliza a informação é uma história de criancinhas.

Tudo isto acontece no mesmo mês em que se descobre que um popular apresentador brasileiro pagava crimes que a seguir documentava, que a China, na semana em que se recordou o genocídio de Tiananmen bloqueou e monitorou a Internet e todos os motores de busca, chegando mesmo a bloqueá-la no dia da efeméride. E em Agosto foi adiado o novo julgamento do homicídio de Anna Politkovskaia.

O que fazer então do jornalismo, da opinião e da informação? Todo este manancial controlado, verificado e legitimado pelos poderes?
O que fazer de MMG?

Enquanto o inquérito da ERC não concluir nada e a entidade gestora da TVI nada acrescentar, viveremos de especulação.
Não me custa a crer que esta operação resulte num valor acrescentado (até acho que hoje o Jornal Nacional da TVI será o mais visto, esperando o aparecimento de MMG, a apresentação de mais uma reportagem sobre o Freeport, enfim, ansiando por um frémito novelesco qualquer).
É legitimo que uma entidade gestora despeça MMG se de facto pretende introduzir uma alteração significativa da sua filosofia de informação. É verdade que MMG só ficou na TVI porque JEM acabou com o litígio que existia entre os anteriores gestores e a dita pivot.

Também tem cabimento pensar que tal demissão seja incoerente dado ser o telejornal mais visto, do canal mais visto. Porque desperdiçar audiências? Má gestão ou gerir bem a má decisão?

Depois, há o lado político da questão que é perfeitamente ambivalente.
Por um lado e aparentemente dá jeito a Sócrates não ter a sua “besta negra” a debitar um misto de informações e injúrias; por outro, a demissão na altura que se verifica representa uma crucificação do mesmo e abre um rol de suspeição sobre a sua influência via Espanha.
De forma inversa, Sócrates pode vitimizar-se (“Mesmo depois de morta, MMG continua a praticar o meu assassinato político por via do que lhe aconteceu e que nada tem a ver comigo”.), mas quem não gostar dele acabará por gostar ainda menos.

Este jogo demencial agora lançado acaba por ter contornos curiosos ao nível da imprensa.
Todas as sociedades de TV em Portugal estão subordinadas a algo ou alguém. E daí não viria mal ao mundo se isso fosse claro e assumido. O problema é todas se arrogarem isentas e independentes, perseguidoras da verdade (verdade, verdade, verdade…). E os jornais e rádios igual.
A sociedade da informação tornou-se uma espécie de planeta dos macacos porque o público não pretende, desde os anos 60, apenas ser informado: pretende ser entretido e que legitimem as suas angústias, os seus ódios e os seus sistemas de crença.
Manipular informação é uma prática pré-jornalistica. Sempre existiu, tal como a ocultação e, mais recentemente, a construção de verdades que são, dia a dia, transmitidas até a interiorização final. Há a fabricação do medo, do ódio, há o apregoar de algo primitivo, enfim, o terror levado às casas de todos, todos os dias, de hora a hora.

Ora tudo isto se passa no ano em que se comemora o aniversário da morte de John Stuart Mill e não resisto a convidar a consulta de um brilhante post de Venício A. De Lima http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=553JDB003, no Observatório da Imprensa.

Depois de o ler e de reflectir sobre estes últimos acontecimentos e ponderando todas as circunstâncias (e pondo a cabeça no cepo pela “opinião” que vou vincular) acho que MMG não é uma jornalista, que a TVI manipula a verdade e os factos e que não prestam um serviço público digno desse nome.
Se fosse gestor, obviamente demitia-a por razões de qualidade e por não querer identificar o canal que geria com aquele estilo.

Espero que MMG aproveite para reflectir nestas palavras de Urbano Tavares Rodrigues na sua intervenção do 1º Congresso de Jornalistas Portugueses, em Dezembro de 1982:

Tornou-se já um lugar comum a afirmação de que o jornalismo não pode ser isolado do meio social em que se desenvolve. Assim, obviamente, ele terá de ser diferente em Portugal do que é no Chile ou na Tailândia. Mas não é apenas a realidade envolvente que marca os vários tipos de jornalismo existentes. O jornalismo, nas suas muitas formas concretas, apresenta-se estreitamente vinculado a concepções políticas e sociais. Seja ele informativo ou opinativo, o jornalismo não pode ser uma actividade abstracta. Numa sociedade de classes está sempre, de maneira mais ou menos perceptível, ligado a uma determinada classe social, cujos interesses procura exprimir e defender. Parece-me útil, portanto, recordar que Portugal é hoje na Europa, a sociedade onde a luta de classes assume maior intensidade.
A objectividade absoluta, tão enaltecida como virtude em determinados manuais de jornalismo, é um mito. Sendo o jornalismo um espelho da vida, não há neutralidade possível perante os factos da vida, o seu fluir, a sua essência.
A resposta às questões inerentes aos objectivos e técnicas do jornalismo de opinião implica, pois, para mim, uma definição prévia clara. Não há jornalismo neutro. A própria opção profissional gera o comprometimento perante a sociedade. Sem compromisso – o que não significa escolha partidária – o objectivo e a essência do jornalismo não existiriam.
(…)
A fome de actualidade, de coisas sempre novas que suscitem tensões e debates, leva alguns editorialistas a erigir o que na política é acessório em motor da política. Aquilo que é determinante – o comportamento das forças e classes sociais e a sua relação dialéctica com a estratégia do Poder e a evolução da conjuntura económica – é então relegado a plano secundário. As intrigas da pequena política e as declarações dos pequenos políticos são impostos ao público nas matérias de opinião como se dessa buliçosa e leviana movimentação e desse palavreado espumejante viesse a depender o rumo da situação geral.
O chamado jornalismo especulativo é inseparável dessas tendências. O editorial (e não só) com base em hipóteses e cenários fantasistas passou a ser coisa rotineira em Portugal.
(…)
Editoriais que, pelo seu conteúdo sensacionalista, provocaram tempestades políticas e foram transformados em temas nacionais pela televisão e pela rádio, perdem todo o fascínio lidos um mês depois, quando se percebe que tudo neles carecia de pontes com a realidade social, configurando um processo de intervenção artificial e não ético na conjuntura e na modelagem da opinião pública.
(…)
Uma última palavra. O jornalismo de opinião, como o de reportagem, implica, pela sua função social, uma exigência de autenticidade, um sentido permanente de responsabilidade.
Sempre acreditei e continuo a acreditar que jornalistas de formação ideológica muito diferente podem e devem dialogar, com muito proveito, estabelecer laços de boa camaradagem e arte de amizade. Mas existe um tipo de jornalismo subterrâneo, ancorado no escândalo, na calúnia, na mentira, consciente, que constitui insulto à profissão. Em Portugal está muito na moda. Floresce. Penso que em colóquios como este podemos e devemos chegar a um consenso para repudiar essa perigosa caricatura do jornalismo.

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