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Carta aberta ao Sr. Pacheco Pereira sobre o seu Porto

Sr. Pacheco Pereira,
Confesso que apenas por uma vez visitei o seu blog mas que achei demasiado profundo e introspectivo. Mesmo o texto que leva a esta carta foi enviado por uma pessoa que, maldosamente sabia que iria indignar-me e provocar resposta, não tão pronta como deveria mas, como imaginará, trabalho, tenho filhos jovens e as preocupações normais de quem vive com o seu salário, pelo que tive de desdobrar-me em tempo para comentar a sua prosa.
Penso que o seu texto peca por não ter um princípio e um fim e espero com esta carta poder esclarecer esta opinião.
Eu não li o livro de Carolina Salgado.
Os meus parcos recursos não me permitem investir em toda e qualquer banalidade a que se dê destaque inusual. Compreendo que a um intelectual fique bem essa dimensão de abarcar todo o real e toda a ficção, trabalho a que o Sr. PP se dedica sem tréguas. Sou humilde, venho do povo e a ele pertenço.
Não sou tripeiro de nascença mas de adopção. Vivo nesta cidade única há 30 anos e acho que o único sítio que me faria desistir do Porto seria Amesterdão, pelo espaço de liberdade que transmite entre a diversidade étnica, a aceitação das realidades e diferenças como uma consequência lógica da vocação cosmopolita.
Sou, portanto, um mero escolarizado. Tenho fraquezas, aprecio coisas simples como o corpo de uma mulher, futebol e ainda sorrio com as conversas das tascas que a ASAE ainda não fechou. É assim a vida do povo: limitada, fútil e primária.
Mas estou a afastar-me do assunto: não li o livro de Carolina Salgado mas folgo em saber que a polícia leu-o e que, se calhar, no dia de folga, até viram o filme. Também não vi a reportagem do Correio da Manhã, desde logo as minhas desculpas.
Sabe que uma pessoa do Porto, limitada, pobre, com horizontes estreitos lê o nosso "Notícias" e o "Público" às vezes que é do Sr. Belmiro, gente daqui de cima que muito apreciamos.
Espero que as fotografias tenham ficado bem (não sei se o Vereador ainda teria o olho negro na foto, espero que não). O que não sabia era que entrava assim tanta gente no filme, mas isso deve ser bom para o cinema português que assim tem mais gente a trabalhar. Para o produtor sobra o incómodo de cortar partes do filme, algo que terá feito bem porque, com tantos personagens, as pessoas poderiam perder-se entre as cenas de impacto! Não vejo é porque haviam as pessoas retratadas de ficar incomodadas com as semelhanças! Toda a gente sabia que o filme foi feito por causa delas e que a elas se procurava atingir!
É uma chatice não poder dizer mais pois também não fui ver o filme.
Aqui no Porto toda a gente sabia o que se estava a passar. A Dona M., minha fornecedora de legumes no Mercado do Bolhão explicou ao seu jeito que não irei narrar tudo o que se estava a passar. Mas a pobre é portista e eu dei o benefício da dúvida! Falei com o Sr. J, padeiro com estabelecimento na Rua da Constituição e que é benfiquista (ou seja, Pinto da Costa é o Anti-Cristo!) e olhe que mesmo ele, homem vivido que emigrou jovem para a Venezuela mas regressou não sei porque, acha que o livro foi escrito por mais do que uma pessoa (ele leu e contou-me, não posso dizer nada porque não li o livro). Diz que tem a ver com os capítulos que estão mal divididos, que parece que tiveram de acrescentar umas coisas para compor. Não sei.
Sei que o Sr. PP leu-o como um intelectual deve ler e determinou que era uma "descrição perfeita, psicológica, antropológica e sociológica de um "meio" que muitos conhecem mas preferem ignorar, ou por complacência, ou por cumplicidade, ou apenas por medo, puro e simples medo.” (SIC).
Confesso que me sinto confuso. O testemunho de uma pessoa envolvida numa questão consegue ser tão capaz, de forma isenta, de conceber um documento tão importante? Então ela não fez o livro por vingança? Então ela não está envolvida na intriga? Olhe que isto é capaz de não ser assim um documento tão valioso! Mas isso é a minha pobre cabeça de tripeiro a pensar.
De qualquer modo o homem já está condenado a tantos anos…Há anos que a imprensa o condenou das mais diversas formas. Com razão ou sem ela, foram dirigidos ao homem tantas condenações tantas invectivas que, na prática destinavam-se exclusivamente ao clube porque, ao que se sabe não houve político nacional que não foi tirar a sua fotografia ao lado do homem nas alturas importantes (e, coitado, parece que não resulta muito porque, a cada candidato que o ele apoia, cai dizimado em eleições).
E aqui gostaria de estabelecer um ponto: o homem nem é tão amado no Porto. É estimado enquanto Presidente da maior instituição do Porto, a mais popular, a que mais orgulho nos dá. Politicamente não risca nada na cabeça das pessoas como se tem visto. Não é um cacique como aqueles que o seu partido tinha (tem) aqui no Norte, auto-intitulados de barões que se serviram (servem?) do futebol, nem que seja pela negativa. Estes últimos protagonizam o papel dos arautos da justiça e rectidão, mas colocando os mais chegados nos Pelouros que dão jeito e fazendo alguns fretes ao partido para, quem sabe, no futuro, com a ajuda sempre precisa da Comunicação Social, aspirar a outros voos. Afinal o medo e a complacência para com o homem é uma fantasia!
Admito que haverá coisas a investigar. Muita gente saberá o que se passa (no seu partido, por exemplo, haverá muita gente que pode falar sobre o assunto, se lhes for possível viajar!).
No Porto falar de medo é uma quimera. Aqui não se brinca em serviço desde os tempos da República e quando é para pendurar alguém por uma corda não há tanoeiro que não o faça!As pessoas de cá, quando é para dizer o que lhe vai na alma não se ensaiam nada. Será que o assunto poderá ser melhor explicado desde a capital? Terão essas pessoas fontes tão credíveis que consigam ver todas as respostas de uma forma tão iluminada? Cuido que será muita pretensão.
Cá as pessoas poderão ter medo das claques, que se constituem em bandos perigosos. É de todos conhecido o comportamento terrorista das claques do Porto que, com muita pena minha, não são iguais aos da Juve Leo ou dos No Name, exemplos de virtude nacional e socialista.
Como o Sr. Doutor diz e bem é do conhecimento público, vem nos jornais e acho que esses malandros devem ser investigados e encarcerados, depois de serem julgados se for possível com uma pena superior aos que agrediram a stick um jogador de hóquei do Porto há já alguns anos era o senhor mais novo e andava de facto na política. Não tenho aqui a notícia à mão de semear mas o senhor de certeza que a encontra porque até saiu nos jornais de Lisboa! Porque o caso até foi na Luz!
Mas é evidente que as claques (perdão só a claque do Porto!) é uma associação criminosa que angaria futuros delinquentes e promove a difusão de todo o malefício social que se possa imaginar e nisto estamos de acordo. Uns recrutam marginais, outros doutrinam em militâncias de extrema-direita e outros ainda coordenam o tráfico nacional e a sua distribuição em todo o país, assim é que é, cada um com o seu mester e as letras todas que é preciso para escrever o que se pensa até o fim, senão passamos por covardes ou comprometidos com uma intenção qualquer.
Curioso o Correio da Manhã – sempre ele – publicar um relatório confidencial da PSP. Espero que os agentes não tenham ficado chateados por publicarem um relatório confidencial. Mas não, que eles não são más pessoas e se calhar até foram eles que o deram aos jornalistas porque são jornalistas isentos, nada como estes do Porto, tão envolvidos na tal “campanha de ocultação”.
Foi a partir daqui que perdi o fio à meada.
Estávamos no livro, no filme e no Apito Dourado, sim senhor tem muita lógica e, de repente, passamos para as claques (perdão, a claque!) e depois fomos ter à violência e insegurança no Porto num ápice! E eu fiquei a saber que, segundo o senhor, as pessoas são as mesmas. Pois como não haviam de ser. No Porto vivem pouco mais de 250 mil almas! Eu quase que conheço meia cidade! Somos cada vez menos a ter direito à nossa cidade!
Desde que o Lorde Farquaad tomou conta do burgo e o transformou num reino asséptico, monolítico, numa Duloc tal e qual (não sei se o senhor teve a oportunidade de ver o Shrek, animação que lhe aconselho) é ver as pessoas a ir embora!
Não sei quantos assassinatos ocorrem em Lisboa provocados por questões de marginalidade o que para o caso também não interessa. Também não sei se a marginalidade (se é que há marginalidade em Lisboa!) daí funciona com estes padrões que aponta e cito "Muitas personagens são comuns, muitos sítios são comuns, há fotos e circunstâncias comuns, amizades, companhias, más companhias, jantares, carros e seguranças". Provavelmente não. Afinal, que tipo de criminalidade existirá em Lisboa? Estará tudo tão bem harmonizado que as questões territoriais e de exploração do submundo não se colocam?
Este é um fenómeno que eu não percebo e que me incomoda: sendo Lisboa a capital, grande, rica, com gente poderosa que faz aninhar o resto do país, não há marginais a explorar o excedente? O Porto, esta cidadezinha pequena e insólita é que tem gangues, como se aqui o dinheiro jorrasse em fontes. Não há direito!
E é isso que me intriga, Senhor PP, o seu espírito de contradição. Depois de ter dito o que disse no texto vem – depois – desdizer com aquela história de A mandou B e coisa e tal. Depois de ter dito o que disse no início, não lhe fica bem voltar à estaca zero e recomeçar tudo de novo usando outros argumentos. Para as pessoas simples isso passa por falta de coragem.
Depois de ter feito aquela ligação toda que eu disse que não percebi (e que depois percebe-se) que o Sr. diz que o Pinto da Costa e o FCP através do braço armado dos super-dragões controla a marginalidade do Porto e tem a ver directamente com a sucessão de mortes entretanto verificadas porque é, claramente o que disse, o senhor chega a conclusão que não quer concluir o que concluiu! O senhor até diz que tem 20 anos essa situação! Só faltou acertar na data da primeira conquista internacional do F.C. Porto!
Francamente! Se já não tínhamos princípio do texto deixamos de ter fim!
Tem razão quando aponta cumplicidades partidárias a alguns dos problemas e justamente nesta parte que tão bem nos poderia esclarecer, não acrescenta nada que não se saiba por cá!
É o mal das cidades pequenas: tudo se sabe.
E depois há duas coisas que francamente não gosto: daquelas blagues tipo "Só não vê quem não quer ver ou quem, vendo, tem medo de ver". A tautologia rouba-lhe inteligência, confunde avaliação pessoal com verdade irrecusável e factos com demagogia.
O que se comprova com a já esperada "consolação solidária" porque é do Porto, nascido na Sé e quando vem passear para o Porto, blá, blá, blá mostra que o Senhor, sobre o Porto terá a visão que lhe quiser, menos a real.
Se o quiseram desancar na Ribeira na altura que veio cá promover o Lorde Farquaad foi porque, com certeza não o conheceram; se vem cá muitas vezes já deve ter dado pela falta dos habitantes, a não ser que venha ver as corridas e a árvore de Natal; se essa devoção parola lhe permitiu ver alguma coisa, já deve ter reparado que, no Porto grande parte das lojas está à venda ou passam-se, que o que está em ruína mantém-se em ruína ou já caiu (menos em frente a Câmara, que o Lorde Farquaad não quer nada sem pintar!)
E é por isso que, ignorando a sua diatribe contra os crimes cometidos contra jornalistas portugueses e a campanha de ocultação da imprensa nortenha (nunca o senhor PP, ponderou que existisse provavelmente uma contra campanha? O senhor escreve em jornais. Presumo que saiba o que de facto se passa e se não sabe é ingénuo ou pior! Pode insultar-nos, que nós no Porto nos entendemos assim, mas não insulte a inteligência das pessoas). Todas estas notícias dos jornalistas violados no Estádio das Antas passaram na televisão e em jornais. Tiveram maior ou menor destaque em função do momento. Ocorreram em outros locais também: Chaves, Guimarães, em Alvalade e até na Luz. Com a mesma frequência e outros personagens e em função de mandos e desmandos dos clubes, amizades e relações que se constroem e terminam, coisas que se perguntam e que depois não se tem coragem de dizer. Se detém apenas o historial do Porto será porque está mais atento a esta cidade que, suponho, será a sua também. E faz muito bem. Só não queria que enviesasse exclusivamente para aqui os males do país, não sejamos nós invadidos por uma horda furiosa de justiceiros, dispostos a ocupar a cidade, os cargos e locais apetecíveis da administração por falta de soluções a Sul.
Acredite! O Porto não é uma horda de hunos e os de outras localidades uns rosados anjinhos que pairam bonacheirões e etéreos pelo futebol e outras actividades mais brancas.
Finalmente gostaria de explicar porque acho que o seu artigo não tem princípio nem fim.
Explico: queria o senhor fazer induzir nas pessoas a ligação entre um clube, a sua claque e a criminalidade existente no Porto. Fazendo a ligação textual, recusou a contextual. Motivo: fica a seu critério.
Resumindo, nada temos para começar.
O fim: o final do seu artigo perde-se em palavras avulsas e lista de vítimas para reforçar a ambiguidade das suas posições em que tenta, encarniçadamente separar o que juntou. E perdeu muito tempo a fazê-lo. O fim, caro senhor, é que gastou tanto tempo a escrever sobre um caso de polícia que os tribunais resolverão como devem, não sejam eles assediados por necessidades mediáticas e agendas políticas, e que não fosse o que é e quem é não consumiria mais do que um fundo de página de um jornal nacional.
E nesse tempo perdido não aproveitou para falar dos 2 milhões de pobres em Portugal e da sua maioritária concentração no Norte do país, no desemprego mais elevado no Porto que no resto do país, da incapacidade do "seu" candidato à Câmara de gerir, motivar e empreender o que quer que seja na cidade para além do seu modelo provinciano e a tresandar a anos 50.
Perdeu assim uma boa oportunidade para mostrar que a cidade lhe diz alguma coisa para além dos fins-de-semana de repouso.
Porque o caso pretérito é acessório; fundamental é o desemprego.
Porque as claques são o secundário, o principal, são a ausência de alternativas.
Porque o clube é maior que a cidade porque alguém a encolheu.
E porque não troca os v's pelos b's quem sabe. É quem pode.

Comentários

Helena Henriques disse…
Muito bem. O senhor estava a pedir uma chamada de atenção assim. A destruir o Cabedelo... e a Sé, não? Veja bem os projectos de "recuperação" urbana do seu Farquaad... Ah, é verdade, quer levá-lo para Lisboa. Força, força, não se acanhe.
Diego Armés disse…
Eh lá! Aqui ninguém tem a culpa que o PP seja o que é... Não vale a pena reagir "contra Lisboa". Se o texto é todo tão bonito a fovor do Porto, para quê estragar a composição?
vinhas disse…
Diego,
Vou esclarecer: a Lisboa que precisa arder não é a das pessoas.Do ponto de vista real quem mora em Lisboa tem uma vida mais ingrata, difícil e desajustada que no Porto.
Como diria o nosso Octavinho "voces sabem do que eu estou a falar..."

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