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De que falamos quando falamos de estado e cidadania

Não estaremos perante um défice de cidadania? Não será que as bases do nosso sistema estão esquecidas? Para que serve o Estado? Afinal o que é isso de ser cidadão?
Antes de abrir este tópico de discussão bem opaco, aqui fica uma achega para o ponto de partida.
O nosso Estado de direito cujo pilar fundamental são os Direitos Humanos, assim conhecidos desde 1945 com a criação das Nações Unidas, surgiu nos sécs. XVII e XVIII, como reacção ao absolutismo, podendo mesmo dizer-se, com Maurice Craidom, que o absolutismo levou a humanidade a reclamar os direitos (naturais ou humanos) precisamente porque os negava.
Grosso modo, direitos humanos são os direitos de cada ser humano à vida, liberdade, dignidade e bem-estar. Isto significa liberdade contra a opressão, exploração, perseguição pelo Estado, um grupo ou outro indivíduo. A luta contra o Antigo Regime teve como princípios fundamentais libertar o indivíduo da sua submissão ao Estado, da sua condição de súbdito, e autonomizá-lo dos grupos corporativos. Na concepção medieva o indivíduo apenas era considerado enquanto membro de uma corporação, a concepção de homem começa a mudar com as ideias renascentistas, que relativamente ao próprio Estado, trazem em 1648, com o Tratado de Westfalia, um novo conceito de Estado soberano que deixa de depender do Papa ou do Imperador. Mas é com a queda do Antigo Regime que se autonomiza o indivíduo, com as Revoluções Francesa e Americana o súbdito passa a cidadão, titular de liberdade individual, segurança pessoal, igualdade e propriedade. Faz-se uma separação entre a sociedade civil e o Estado, passa-se dos deveres para com o Estado às liberdades perante o Estado e direitos face ao Estado. Trata-se dos chamados Direitos Negativos, ou seja, direitos que se realizam pela garantia de não intervenção do Estado (no plano vertical) e pela garantia de não perturbação de outros indivíduos ou grupos (no plano horizontal - embora para garantir estes direitos no plano horizontal, ou seja entre particulares, indivíduos ou grupos, cabe ao Estado, ao garantir a Segurança e a Justiça, a tutela destas liberdades através de uma prestação que se pode considerar positiva por implicar uma acção) e ainda direitos de participação política (estes claramente exigem prestação do Estado).
Assim, numa primeira vaga temos a afirmação dos direitos civis e políticos (realizando a ideia de Liberdade), numa segunda fase os direitos económicos, sociais e culturais (realizando a ideia de Igualdade) e por último, os direitos de solidariedade (realizando a ideia de Fraternidade). A primeira geração surge nos sécs. XVIII e XIX, com as ideias Liberais, são os direitos e liberdades individuais (liberdades face ao Estado), direito à vida, à liberdade, à propriedade, liberdades de expressão, crença ou religião, movimento e residência, associação, etc., bem como direitos de participação política. Os direitos de segunda geração surgem com a revolução francesa de 1848 e com a Constituição Alemã de Weimar (1918), são os direitos de tradição socialista, direito à assistência pelo Estado, direito à igualdade social - segurança social, direito ao trabalho, à educação, à protecção na doença. Os direitos de terceira geração surgem a partir de 1960 e abarcam os direitos de nações, povos e minorias, direito ao ambiente, à auto-determinação e direito ao desenvolvimento.
Assim, o estado, que mais não é do que a organização de uma sociedade, deverá exercer um domínio sobre os seus membros para tanto são-lhe endossados pela sociedade poderes. Precisas são garantias de que o Estado não irá tiranizar a sociedade, violar o 'contrato social', assim se por um lado a sua actuação fica sujeita à Lei (o estado apenas pode agir dentro dos parâmetros de uma lei prévia - princípio da Legalidade), por outro os poderes deverão ser separados, Legislativo, Judicial e Executivo, cabe ao Legislativo legislar, ao Judicial a aplicação da justiça dirimindo os conflitos surgidos entre particulares e entre estes e o próprio Estado, e ao Executivo governar e administrar os interesses públicos. Mas se a Lei é entendida como a institucionalização da vontade geral, é preciso garantir que de facto é assim, daí que, o estado deve ser democrático, o que significa que os rumos a seguir são decididos pelo povo directamente ou através de representantes. A acção estadual face aos cidadãos é regida por princípios materiais de igualdade e proporcionalidade e, por princípios processuais que obrigam a procedimentos judiciais e administrativos sujeitos à lei, participação dos cidadãos nos processos legislativos e de decisão administrativa, e jurisdicionalidade da acção do Estado, seja ela legislativa ou administrativa.
O cidadão é titular, face ao Estado, dos direitos fundamentais já referidos, e de deveres também legalmente estabelecidos como o pagamento de impostos, cumprimento de serviço militar, pertencer a júris, pertencer a assembleias de voto e participar na vida política através do voto.
Assim a forma de Estado Ocidental é um Estado de Direito Democrático fundado nos direitos humanos, a discussão entre direita e esquerda abrange essencialmente os direitos económicos, sociais e culturais, sendo que, a Europa tem tido uma política social democrata afirmando estes direitos o que certamente não agrada aos liberais.

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