Confesso que me sinto um pouco frustrado nas expectativas.
Contava que o referendo tivesse lugar. Contava que, independentemente da minha opinião, surgisse um nicho de debate à volta do Tratado (e não do referendo).
Gostava de saber como seria a reacção da sociedade civil ao Tratado, o que se diria de um lado e do outro sobre o assunto em questão. Gostava e saber como se movimentaria o PSD, entalado entre o apoio tácito ao Tratado e a necessidade de fazer oposição ao governo; quais seriam os argumentos usados por bloquistas e comunistas para tentar parar o comboio.
Sobretudo gostaria de ouvir o que tinha para nos dizer o Dr. Vital Moreira, que considero um dos homens mais lúcidos de Portugal e que lamento não seja ouvido tantas vezes quanto necessário (sobretudo porque, para além de dominar os assuntos em que exprime opiniões, fá-lo de uma maneira clara e objectiva, sem aquele discurso de desdém à inteligência de quem ouve).
Gostaria de ter visto o posicionamento da comunicação social, as reivindicações populares a borbulhar sobre a campanha referendária.
Gostaria de ver os diferentes posicionamentos do PS a virem ao de cima (e bem necessários são. Um partido que não consiga pluralizar os seus discursos sobre matéria tão decisiva não é um partido), a reacção da blogosfera em geral perante os dados que seriam aprofundados por diversos bloguers como provavelmente nenhum jornal o faria.
Gostava sim, de sentir a democracia.
Pessoalmente, acho que o Governo perdeu uma oportunidade para brilhar. Acredito que o referendo passaria sempre, com maior ou menor dificuldade, através da voz da base PSD/PS e da sua movimentação (o PSD nunca arriscaria numa aposta no escuro contra o referendo. Teria de alinhar no jogo do PS, deixando algumas vozes oponentes como reserva estratégica, passando a imagem de alguma liberdade de opinião no interior do partido, mas na essência apostaria toda a sua máquina no sim).
O PS, gerindo algumas pequenas divergências internas estaria na estrada. Tinham de se haver com as populações um pouco esturricadas pela lenta extinção do SNS, Reformas, desemprego, pobreza, etc. mas acho que a mensagem do desígnio nacional acabaria por se sobrepor às queixas do povo.
O Não é um voto extremo. Da direita e da esquerda. Também será um voto nacionalista e anti-globalização. Nunca teria uma oposição homogénea, com pouca margem de identificação com o povo que não se vê caminhando lado a lado com esta clivagem ideológica (não estou a ver a direita conservadora e a esquerda em conjunto a puxar pelo Não, o que acaba por descredibilizar a oposição ao Tratado).
E é justamente por isso que, ao não haver referendo, o que poderia ter sido um brilharete pode transformar-se numa grande chatice.
E isto tem a ver com três motivos:
Imagem da ingerência: se as pessoas sentirem que a recusa tem a ver com influências de outros países (os “donos” da Europa, França, Alemanha, etc.) a má-fé relativamente ao Tratado poderá cimentar a imagem que a Europa parvinha, com aqueles tiques securitários, higienistas e normalizadores está, de facto, a tomar conta de nós. E, se de facto alguém telefonou ao nosso Primeiro, a dizer para não se armar em democrata (porque há pelo menos quatro países que chumbarão o Tratado à cabeça, se for referendado), isto é a prova de que o Tratado, escrito ou não já está em vigor e funciona.
Tratado como a origem do mal: será sempre um argumento, a partir de agora para justificar a perda de qualidade de vida para assumir os padrões de convergência e tudo, mesmo tudo de mal que acontecer, terá o Tratado como totem do feitiço lançado ao país. Acredito que o Tratado ser-nos-ia imposto com ou sem referendo, com ou sem aceitação popular. Isto não quer dizer que seja mal à cabeça. Se a Europa funcionar como forma de controlar o que vai na cabeça e nos bolsos da nossa classe política, até poderá ser um bom negócio.
Responsabilidade pessoal do Primeiro-ministro: Belmiro de Azevedo já tinha comentado o que ia acontecer em Novembro. Disse exactamente o que se passou.
Não é coisa que não tivesse passado pela cabeça de mais gente.
Sócrates – reconheço-o – é um homem com coragem. Tomou uma decisão difícil colocando como garantia o seu futuro político. Será sempre recordado como o homem que deu o passo para a consolidação da Europa Federal, para a globalização e para o fim de uma certa imagem de Portugal (saudosistas como somos, este é um risco enorme). E este é o busílis: fazer o Referendo poderia ter sido um tiro no pé pela incomodidade da campanha e do contacto com um povo insatisfeito a vários níveis e por dar tempo de antena à oposição mas provavelmente sem graves consequências internas.
Não fazer o referendo poderá ter sido um tiro no porta-aviões, provocando um rombo de maior dimensão pelo que poderá se seguir.
A imagem do homem vendido aos interesses europeus, comprometido numa estratégia que mais não é do que harmonizar legalmente uma evidencia (o Tratado já funciona!) e que não soube ou não quis salvaguardar a soberania nacional e ouvir o povo nesta decisão)
Será sempre o homem que “nos meteu nesta alhada” e poderá mesmo, ao recusar o referendo, ter deitado por terra a possibilidade da futura Presidência de Portugal (porque toda a gente vai usar este argumento, quando Portugal já não o for).
É uma daquelas coisas tão certas como a morte.
Vinhas
Contava que o referendo tivesse lugar. Contava que, independentemente da minha opinião, surgisse um nicho de debate à volta do Tratado (e não do referendo).
Gostava de saber como seria a reacção da sociedade civil ao Tratado, o que se diria de um lado e do outro sobre o assunto em questão. Gostava e saber como se movimentaria o PSD, entalado entre o apoio tácito ao Tratado e a necessidade de fazer oposição ao governo; quais seriam os argumentos usados por bloquistas e comunistas para tentar parar o comboio.
Sobretudo gostaria de ouvir o que tinha para nos dizer o Dr. Vital Moreira, que considero um dos homens mais lúcidos de Portugal e que lamento não seja ouvido tantas vezes quanto necessário (sobretudo porque, para além de dominar os assuntos em que exprime opiniões, fá-lo de uma maneira clara e objectiva, sem aquele discurso de desdém à inteligência de quem ouve).
Gostaria de ter visto o posicionamento da comunicação social, as reivindicações populares a borbulhar sobre a campanha referendária.
Gostaria de ver os diferentes posicionamentos do PS a virem ao de cima (e bem necessários são. Um partido que não consiga pluralizar os seus discursos sobre matéria tão decisiva não é um partido), a reacção da blogosfera em geral perante os dados que seriam aprofundados por diversos bloguers como provavelmente nenhum jornal o faria.
Gostava sim, de sentir a democracia.
Pessoalmente, acho que o Governo perdeu uma oportunidade para brilhar. Acredito que o referendo passaria sempre, com maior ou menor dificuldade, através da voz da base PSD/PS e da sua movimentação (o PSD nunca arriscaria numa aposta no escuro contra o referendo. Teria de alinhar no jogo do PS, deixando algumas vozes oponentes como reserva estratégica, passando a imagem de alguma liberdade de opinião no interior do partido, mas na essência apostaria toda a sua máquina no sim).
O PS, gerindo algumas pequenas divergências internas estaria na estrada. Tinham de se haver com as populações um pouco esturricadas pela lenta extinção do SNS, Reformas, desemprego, pobreza, etc. mas acho que a mensagem do desígnio nacional acabaria por se sobrepor às queixas do povo.
O Não é um voto extremo. Da direita e da esquerda. Também será um voto nacionalista e anti-globalização. Nunca teria uma oposição homogénea, com pouca margem de identificação com o povo que não se vê caminhando lado a lado com esta clivagem ideológica (não estou a ver a direita conservadora e a esquerda em conjunto a puxar pelo Não, o que acaba por descredibilizar a oposição ao Tratado).
E é justamente por isso que, ao não haver referendo, o que poderia ter sido um brilharete pode transformar-se numa grande chatice.
E isto tem a ver com três motivos:
Imagem da ingerência: se as pessoas sentirem que a recusa tem a ver com influências de outros países (os “donos” da Europa, França, Alemanha, etc.) a má-fé relativamente ao Tratado poderá cimentar a imagem que a Europa parvinha, com aqueles tiques securitários, higienistas e normalizadores está, de facto, a tomar conta de nós. E, se de facto alguém telefonou ao nosso Primeiro, a dizer para não se armar em democrata (porque há pelo menos quatro países que chumbarão o Tratado à cabeça, se for referendado), isto é a prova de que o Tratado, escrito ou não já está em vigor e funciona.
Tratado como a origem do mal: será sempre um argumento, a partir de agora para justificar a perda de qualidade de vida para assumir os padrões de convergência e tudo, mesmo tudo de mal que acontecer, terá o Tratado como totem do feitiço lançado ao país. Acredito que o Tratado ser-nos-ia imposto com ou sem referendo, com ou sem aceitação popular. Isto não quer dizer que seja mal à cabeça. Se a Europa funcionar como forma de controlar o que vai na cabeça e nos bolsos da nossa classe política, até poderá ser um bom negócio.
Responsabilidade pessoal do Primeiro-ministro: Belmiro de Azevedo já tinha comentado o que ia acontecer em Novembro. Disse exactamente o que se passou.
Não é coisa que não tivesse passado pela cabeça de mais gente.
Sócrates – reconheço-o – é um homem com coragem. Tomou uma decisão difícil colocando como garantia o seu futuro político. Será sempre recordado como o homem que deu o passo para a consolidação da Europa Federal, para a globalização e para o fim de uma certa imagem de Portugal (saudosistas como somos, este é um risco enorme). E este é o busílis: fazer o Referendo poderia ter sido um tiro no pé pela incomodidade da campanha e do contacto com um povo insatisfeito a vários níveis e por dar tempo de antena à oposição mas provavelmente sem graves consequências internas.
Não fazer o referendo poderá ter sido um tiro no porta-aviões, provocando um rombo de maior dimensão pelo que poderá se seguir.
A imagem do homem vendido aos interesses europeus, comprometido numa estratégia que mais não é do que harmonizar legalmente uma evidencia (o Tratado já funciona!) e que não soube ou não quis salvaguardar a soberania nacional e ouvir o povo nesta decisão)
Será sempre o homem que “nos meteu nesta alhada” e poderá mesmo, ao recusar o referendo, ter deitado por terra a possibilidade da futura Presidência de Portugal (porque toda a gente vai usar este argumento, quando Portugal já não o for).
É uma daquelas coisas tão certas como a morte.
Vinhas
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